28/11/15

... competir é perder na cozinha ...


«... há em todas as coisas um halo melancólico, o que tem a ver com mundos que desapareceram, vidas que não sei até que ponto terão chegado a realizar, pessoas que esperam, ainda, que alguém se interrogue sobre o mistério da sua existência...»
nuno júdice

... aprendi uma coisa muito importante. quem cozinha tem que cozinhar tudo. o que gosta e o que não gosta. e tem que saber e ter feito tudo. da mais aparente insignificante encomenda ao mais rudimentar acto de, por exemplo, ao fim do dia levar o lixo ao seu devido lugar. cozinhar é das coisas mais exigentes que conheço no que toca à necessidade de aprender e fazer tudo de novo constantemente. as estrelas, hoje, da cozinha, tendem a mascarar tudo isto. há um glamour onde não existe. pior, isso transparece para quem está a aprender a dar os primeiros passos ainda. a ideia de competição é um absurdo neste contexto. em cozinha é estúpido falar em competição. em qualquer modo ou forma. e isso é assim pela mais simples das razões. porque a única competição que um cozinheiro deve ter é para consigo mesmo e para com os alimentos. se a primeira é de observação das suas limitações e conquistas a segunda é ainda mais poderosa. é um combate entre a humanidade e a natureza. esse sim, deveras interessante. e mais nenhum outro tem lugar numa cozinha. se se ensina isso ensina-se mal. se se pensa nisso deve repensar-se tudo porque tudo o resto que não seja isto, estas duas coisas centrais que qualquer cozinheiro sabe que assim é, transforma a cozinha em tudo aquilo que não deve ser e, acima de tudo, faz perder aquilo que se quer e que define a cozinha em si mesma. esse espaço de tempo de dávida constante para os outros. é sempre para os outros. isso não se pode esquecer. nunca. ou então estaremos a fazer tudo menos cozinhar. com estrelas mas sem brilho...

... empadas à antiga ...

... é um gosto pessoal. a massa folhada nas empadas não me diz muito. talvez por isso me faça sentido outra coisa. procurar é sempre o caminho de descoberta para quem cozinha. as empadas são alguns dos últimos redutos de conforto da cozinha para se comer à mão. podem ser prato principal. podem ser petisco. é como petisco que sempre admirei uma coisa que acho fabulosa. o recheio cremoso, preso, suspenso, no seu interior. é daquela memórias únicas. daqueles sabores únicos. fazer tudo isso com receitas antigas é ainda mais curioso. é um regresso a um lugar comum. de memória colectiva. nem que seja por isso, sabe bem...

«...ter a coragem. ir buscar forças onde não as tenho. impedir que o terror das horas futuras me paralise. adivinhar sentido onde menos se encontra. substituir o medo pelo que se quer que seja. ou menos que isso: o simples exercício na ocupação do tempo, a indispensável disciplina...»
pedro paixão


empadas de galinha à antiga
ingredientes

para a massa
(6 empadas)
200gr de farinha peneirada
40 gr de banha de porco
1 ovo
qb caldo do estufado
1 gr de sal

para o recheio
250 gr de frango/galinha do campo
meio pimento encarnado
2 tomates maduros
meio chouriço de carne
1 cebola
2 dentes de alho
 40 gr de manteiga
25 gr de maizena
vinho branco
azeite
salsa

receita para o recheio: num tacho coloque um fio de azeite, a cebola picada, o alho picado, o pimento picado, o tomate sem pele e aos cubos (com as sementes), o chouriço cortado aos cubos pequenos e deixe refogar. refresque com vinho branco e junte um copo de água ou até conseguir cobrir todos os elementos. deixe ferver. junte sal e pimenta. reduza o lume e deixe cozinhar até a cebola se desfazer e o frango estar tenro. retire, nesta altura, uma chávena do caldo para a massa. junte a manteiga e a farinha e deixe engrossar. rectifique os temperos e junte a salsa picada. reserve.

receita para a massa: num recipiente coloque a farinha e o sal e abra um buraco ao meio. junte a banha e o açúcar. vá misturando tudo com as mãos até obter um esfarelado com a farinha e a banha. junte o ovo e o caldo que deve estar morno. trabalhe a massa até ficar homogénea. deixe repousar 15 minutos.

receita para as empadas: unte as formas com os dedos envoltos em banha ou manteiga, mas de forma muito ligeira. faça uma pequena bola que caiba no centro da mão e vá dando forma ao fundo da empada na forma que vai ao forno. encha com o recheio (não totalmente pois tende a sair) e tape com a restante massa. pincele com ovo. leve ao forno a 160º durante 35 minutos.

ç


27/11/15

... cozinhar é só isto ...


“i do not approve of anything that tampers with natural ignorance. ignorance is like a delicate exotic fruit; touch it and the bloom is gone. the whole theory of modern education is radically unsound...»
oscar wilde

... gosto das horas em que se cozinha. aquelas em que verdadeiramente se cozinha. em que um grupo de pessoas, onde cada qual tem a sua forma de olhar para o nobre acto de cozinhar, as suas tendências e as suas formas de fazer as coisas e simplesmente cozinha. sem mais nada. colocando apenas em tudo o que faz o melhor que sabe. não importa o produto, o que não há e podia haver, o que falta. tudo o que está é o necessário e com isso faz-se o que se consegue. sempre procurando fazer bem. porque importa. importa conseguir. cumprir o desafio constante de entregar algo bom a outros que estão de passagem. não importa nada mais do que só saber que ficou bom. e a magia única de ver nascer de coisas desligadas entre si um prato, um petisco, algo que sabe bem. e sabe bem porque é bom. porque foi bem cozinhado. ser cozinheiro é um pouco isto. ter esse imenso privilégio. esse poder só dado aos homens que roubam o fogo aos deuses para iluminar um pouco mais os dias. no caso de quem cozinha, de roubar um sorriso ou dar um pouco de conforto. se a comida não der conforto é tudo menos boa. reconfortar. renovar as forças, roubar o tempo nem que seja para parar os dias cheios de nada. ou esconder as horas que passam sem as podermos parar. nisto está a alma do cozinheiro. o seu imenso poder. mesmo que ninguém, nem ele mesmo, saiba que o tem. porque não é um poder. é só um gesto, um tempo, uma forma de se dedicar aos outros. e isso, num tempo em que tal é tão raro, é o que faz a diferença. individualmente ou em grupo. a dedicação quando se cozinha. essas são as horas boas. essa é a cozinha boa....

26/11/15

... construtores na cozinha ...


«...um dos preceitos mais enraizados e mais geralmente admitidos é o de acreditar que os homens possuem em si qualidades imutáveis: há homens bons ou maus, inteligentes ou estúpidos, enérgicos ou apáticos, e por aí adiante. ora, os homens não são assim. podemos, apenas dizer que um homem é mais vezes bom que mau, mais vezes inteligente que estúpido, mais vezes enérgico que apático, ou o contrário; mas classificar um homem, como sempre fazemos, de bom ou inteligente e um outro de mau ou estúpido é um erro. também os rios, todos de água, são umas vezes mais estreitos, outros rápidos, outros largos ou calmos, transparentes ou frios, caudalosos ou tépidos. ora, os homens são como os rios. cada um traz consigo a semente de todas as qualidades humanas, de que revela, em certos passos, umas características, noutros, outras, chegando mesmo, em certas ocasiões, a mostrar-se sob uma forma completamente oposta à sua natureza íntima, que, não obstante, mantém...»
leon tolstoi

... habito o silêncio. queria ser capaz de o fazer ainda mais. serei capaz, certamente. e um tempo. que não é de agora. talvez por isso o meu fascínio pela pastelaria e doçaria aumenta a cada descoberta. aquele é o tempo dos construtores. é outro tempo. pensado. coerente, sabedor, edificado. a beleza da experimentação ocorre na imaginação e não na fantasia. parte do real e dele faz qualquer coisa nova. percebemos que uma dedicação assim não é para quem não sabe esperar. aprende-se a esperar por tudo na confecção de um doce. pelo repouso e pelo apuro. pelo frio e pelo quente. pelo despertar dos sentidos porque esta é, quase sempre, a última iguaria dos comensais. a que fica. a que pode salvar tudo o resto. a que se leva. a pela qual, tantas vezes, se regressa. tudo isto exige muito mais do que só misturar ingredientes. é preciso entender e como tal o seu espaço é atribuído a quem o faz. a quem perde esse imenso tempo para entender. a inteligência é isso. a destreza vem depois da prática de transformar as mãos em fazedoras disso. aprendo sempre que percebo que ali, naquele espaço de coisas doces, tudo tem o seu tempo. e ali, sem tempo, posso de facto cozinhar para além da imaginação. porque é preciso sentir e saber. é de uma exigência brutal. rouba tudo o que sabemos e até os nossos limites. mas oferece também a liberdade plena do pensamento. e isso, é de uma valor imenso para quem gosta, verdadeiramente, de cozinhar...

24/11/15

... imaginar sempre é cozinhar ...


«... o existencialismo é o faro de uma humanidade que pressente desgraça. é uma reacção instintiva e alógica, mas precavida contra a perspectiva do anonimato que a espera. não há salvação fora do homem diz satre. e o homem, que sente debaixo dos pés o abismo da sua destruição como individuo agarra-se à própria raiz...»
miguel torga

... às vezes perco-me no caminho. paro por momentos. olho para a terra e para as coisas naturais. penso: gostava muito de conseguir reconstruir isto num prato. nunca pensei assim. foi a viagem que me fez ter essa capacidade. olho agora para as técnicas que aprendi e continuo a aprender em cada erro que cometo, cada certeza que já tenho, cada ideia que sigo e penso: não, não é por aí. uso cada saber como meu. experimento. ter um caminho é isso. é já conseguir pensar um prato "meu" do princípio ao fim. usando um pouco de tudo. como se fosse uma construção nova. hoje foi com um pedaço de madeira que estava cercado de gelo. o reflexo da luz dava-lhe uma magia qualquer. aquela imagem ficou-me na memória porque ainda era mesmo muito cedo e o frio fez-me lembrar chocolate e sabores quentes. às vezes preciso perder-me assim com ar de louco pelos caminhos para encontrar estas ideias. pensar é preciso. é urgente. criar, uma necessidade. agora o local é sempre o mesmo: o prato. as ideias vão todas convergir até lá. nunca tive essa urgência. agora tenho. não é a minha cozinha, nem nunca será. é uma diversão da mente. um entretém para a alma. uma fuga. como se tal fosse possível. para correr para longe do existencialismo que me persegue. hoje sei que cozinho mais. não sei se melhor. sei que mais. muito mais. constantemente. e quando me lançam um desafio crio, em memória e imaginação o que quero fazer e como gostava que fosse. o trabalho e os desafios de cozinhar são assim estas brincadeiras da mente. é aqui que vale tudo o que foi vivido e experimentado. a diferença está ai. e na perda do medo de experimentar. o erro estará lá sempre. mas com a exigência nas mãos e o sonho na alma podemos cozinhar aquilo que serão memoráveis momentos para outros. penso nisto. muitas vezes. até quando me perco...


... modernidade vs tradição ...


 «I think that the important thing with any kind of food culture is that – food is, by definition, made to be consumed relatively quickly. Perhaps you have a cheese or a cured ham that can last for a couple years, but that’s about as long as any food can actually stay intact without disappearing. And this means that if you stop using techniques for food production traditions, if it’s not in practice anymore, it takes one generation for the primary knowledge to be gone. And two generations for the secondary knowledge, the memory, to be gone. And then in three generations, which is not that long, you only have written knowledge or otherwise recorded knowledge, which is not the same thing. And because of this, the food culture changes so quickly, so many of these dishes that we consider to be iconic dishes to our region, they aren’t that old.»
magnus nilsson

cozinhamos no momento em que vivemos. usamos conhecimento edificado ao longo de demasiado tempo em que uma diversidade imensa de mãos, rostos, gestos e desejos se encontraram para fazer de um prato algo de memorável. a nossa cozinha, seja ela fruto de que influências ou correntes sejam, é sempre contemporânea. nisto se misturam todas as coisas. a história e a ciência. a ciência é recente. temos, no máximo, cem anos de uma lógica verdadeiramente científica. esta mudança de paradigma chegaria, como chegou, inevitavelmente à cozinha. ao processo e aos métodos de cozinhar os alimentos. por duas razões fundamentais tal se verifica: a mudança do imediatismo da degustação e a alteração técnica no processo de per si. vamos por partes. hoje, numa sociedade de tempo urbano acelerado, local e vivência temporal que acolhe com maior facilidade o tipo de cozinha dita molecular ou experimental, a mesa representa um local de status assim como de representação. se a ideia de representação social da mesa e do momento de alimentação sempre se reflectiram na história como uma verdade incontornável de encenação da vida, o mesmo não se passa com a forma como tal ocorre.o  tempo dedicado ao acto de comer alterou-se na forma e no modo. a cozinha e o processo de confecção acompanharam este movimento e com isso tiveram uma necessidade imensa de se adaptar. geralmente associada a menus de degustação, esta cozinha experimental quer surpreender mais do que confortar. quer dar-se a falar mais do que deixar os comensais falarem de outras coisas. quer ser o centro da mesa em detrimento de quem lá está e quer tudo isso num tempo médio curto onde, o imediatismo é determinante e cada instante é em si mesmo a tal experiência que se reclama em cada prato. a cozinha típica portuguesa é diferente na razão e na essência disto mas também reclama essa centralidade, embora, na sua razão completamente diferente desta. esta é a maior incompatibilidade entre as duas formas de cozinhar. enquanto escrevia estas linhas recordei uma reclamação de memória que josé avillez referiu recentemente relativamente a um jantar de degustação sobre memórias de infância em que foi convidado a participar. cito: “transportar as pessoas para a minha infância, que provavelmente é também a de muitas delas, em apenas duas colheradas.”. falava de um cozido à portuguesa criado com apenas um elemento de carne e onde todo o sabor estava no caldo. é deste senso e gosto que falo quando refiro a questão do imediatismo e dessa ideia de referência que é antagonizada pelo processo de que falarei a seguir. se a memória é algo de imensamente importante na criação do prato, como podemos assegurar essa referência seja colectiva. é o imediatismo que trata disso. tal como a variedade, necessária para acertar numa referência e tornar a experiência de comer algo conhecido como útil e elemento de puro prazer para que come. é aqui que a cozinha dita molecular ou experimental se separa definitivamente da cozinha típica. é onde, muitas e muitas vezes falha para alcançar o desejado local de referência. esta centralidade da memória que se representa no prato é distinta em cada caso. na cozinha típica portuguesa o que importa é a reunião. na cozinha contemporânea que usa essa referência como elemento de ligação à memória colectiva ou individual, a centralidade é o prato em si mesmo e a “experiência”. mas falemos do elemento seguinte. a alteração substancial no processo. hoje as cozinhas profissionais são dotadas de equipamentos e de recursos (elementos químicos, substâncias reguladoras, etc...) que permitem (ou tentam) em pouco tempo conseguir o que na cozinha típica portuguesa era (e é ainda em muitos casos) feito pelo tempo e por processos ancestrais. se é verdade que muitos procedimentos caíram em desuso e se adaptaram à modernização que a sociedade portuguesa vivemos nos últimos quarenta anos de liberdade e inclusão europeia, também é verdade que há procedimentos que se vão mantendo. por exemplo, desaparecendo quase integralmente a salga dos alimentos de base (carne e peixe) sendo substituídos pela refrigeração, tal ainda se tenta conservar no processo de marinar cada elemento ou deixar a salgar de um dia para o outro, por exemplo para a confecção do cozido já aqui referido. os elementos ancestrais de segurança confundem-se aqui com os elementos de tempero, mas acima de tudo, de saber e sabor de manutenção dos processos de confecção. a cozinha dita molecular ou experimental quer acompanhar este movimento. hoje há um movimento vivido por muitos chefes para reabilitar estes procedimentos onde o expoente máximo é a “maturação” da carne que parece ser moda em construção. mas a isto juntam-se os tais elementos ditos moleculares. porque o tal imediatismo e a alteração do processo e tempo, assim como a alteração sofrida na tecnologia disponível na cozinha actualmente assim o obriga. partem-se processos que não devem sem quebrados e juntam-se intensificadores de sabor, emulsionantes e coisas que tais para conseguir algo que o tempo e o modo da cozinha dita típica ou tradicional consegue fazer em conjunto. fuma-se a carne ou peixe depois de o assar, frita-se ou liga-se tudo em jeito de finalização sem reparar na importância que tem a confecção como um conjunto em si mesmo. é aqui que se separam as águas no que diz respeito a quem confecciona usando elementos da cozinha dita molecular ou experimental e quem percebe a necessidade de a integrar sem alterar essências. faz a diferença essa relação directa e transformadora. faz principalmente diferença no sabor sentido. e na tal referência de memória que tudo liga.
cozinhamos no tempo em que vivemos. as experiências que hoje fazemos serão integradas no futuro. as receitas que julgamos antigas são tão recentes como a distância de duas geração e pouco mais. tenho a plena noção disso. como tenho também a noção que cada prato da cozinha típica portuguesa representa uma evolução de séculos. de transformação. muitas vezes até radical. mas a conjugação entre a cozinha de hoje e a típica ou tradicional não só é necessária como imensamente útil. não viveremos nos tempos passados. viveremos e deixaremos aos que no futuro vão cozinhar novas formas de ver cada sabor, cada processo, cada experiência. o que não podemos alterar, ou devemos alterar, é a centralidade de tudo isto na mesa. este e esse movimento é que está por fazer. retirar a fama e a conversa centrada no prato e no espectáculo que surpreende para o recentrar na memória e na referência e no encontro. a mesa como local de encontro está a perder-se. fruto do movimento imediato e líquidos dos tempos que vivemos. talvez esse seja o maior trabalho que quem cozinha tem que fazer.

“se os senhores se referem à cozinha molecular, tenho o maior prazer em dizer que não a praticamos. lamento também informá-los que ninguém come em museus nem vem aos meus restaurantes para comer as cortinas, só existe uma culinária: a boa”.
paul boucuse

23/11/15

... intemporal ...

 

«... onde me escondia num cantinho de um muro a confundir-me com as pedras como os sapos e os lagartos faziam, isto é quase ajoelhada na terra a respirar-lhe o cheiro misturado no meu cheiro de forma que eu terra também, não tronco e braços e pernas, casulos, plantas, insectos e qualquer coisa que não sabia o que era...»
antónio lobo antunes

... sou um homem da cidade. do campo conheço apenas o que a viagem da vida me deu a mostrar. não conheço todas as plantas, nem o sabor do suor do trabalho de revirar a terra. para cozinhar preciso disso. quando posso passo esse tempo a perceber tudo isso. cozinhar é um acto de conhecimento profundo da natureza das coisas. preciso ser terra para saber os sabores que dela podem sair. cozinhar a sério é isso, para mim. esse mergulho, essa viagem nestas coisas. do mundo retiro as ideias. o pensamento não cessa. gira, regressa, volta em forma de cheiros e sabores. os aromas não são sabores. são aromas. as ervas servem esse propósito. não todas, algumas. as aromáticas. os sabores surgem de outros lugares. da alma dos alimentos. estão lá cativas. é preciso meter as mãos na terra para perceber isso. cozinhar é uma viagem. essa viagem. levada a sério. exigente. que pede de nós toda a vida. toda a percepção das essências. não é para levar em jeito de trabalho. é um caminho. o caminhante sabe que tem que atravessar planícies e montanhas. ter frio e calor. saber esperar. saber perguntar. saber ver e olhar com atenção. escutar. nada vem "embalado". não se mistura tudo para ver o que dá. cada coisa tem o seu lugar. é só atravessar um campo neste tempo de fim de outono e perceber isso. depois, no momento de ter espaço para cozinhar, saber de onde cada elemento surge. ter tudo uma lógica. uma vida. a que se deu para descobrir. descobrir é um trabalho imenso para quem cozinha. tudo sem, quem degusta, saber que foi feito mas que fica lá, no prato, quando alguém prova e sente essa viagem feita de vida dada em função do sonho. vai-se dando imenso da nossa vida à cozinha. chamam-lhe alma. eu chamo-lhe vontade...

... almôndegas à anos oitenta ...

... começamos a gostar de cozinhar quando não nos conseguimos desligar dos sabores de outros tempos. do tempo da televisão a preto e branco ou depois dos telediscos. do brincar na rua e dos sabores sem aditivos. no tempo em que o ketchup era um luxo e os ovos kinder vinham uma vez por ano da alemanha (do lado bom). eram outros tempos. e outros sabores...

«... tenho diante de mim esta força cega, este absurdo a escorrer ternura e lepra, como a primavera escorre morte, a irromper contra tudo e apesar de tudo, de uma profundidade cada vez mais sôfrega e cada vez maior. não quero ver e hei-de por força ver!...»
raul brandão


almôndegas à anos oitenta
ingredientes
para as almôndegas
300 gr de carne picada de porco
1 linguiça pequena
salsa
1 ovo

para o molho
5 tomates maduros
1 cebola 
3 dentes de alho
polpa de tomate
manjerição fresco (ou orégão)

receita para as almôndegas: pique a linguiça na picadora por três vezes. junte à carne picada. pique a salsa rudemente, e junte. junte um ovo e amasse até ter uma consistência homogénea temperando com sal e pimenta. forme pequenas bolas do tamanho do centro da mão sem prensar. passe por farinha e reserve.

receita para o molho: corte a cebola aos pedaços rudemente. pique o alho.  tire a pele aos tomates. num tacho largo junte um pouco de azeite e coloque a cebola, o alho e o tomate e deixe refogar com a tampa durante alguns minutos. tempere com sal e pimenta e depois de surgir alguma "água" no fundo tacho junte a polpa de tomate e meio copo de água. deixe ferver e deixe cozinhar até ao tomate se desfazer por completo. vá rectificando com água e verificando os temperos. no final junte o manjerição picado. 

finalização: quando o molho estiver feito coloque em círculo, de fora para o centro do tacho as almôndegas e deixe cozinhar em lume brando por 30 a 40 minutos.

dica: sirva quente acompanhado de arroz branco ou esparguete salteado com alho.

... a experiência de vida faz olhar para coisas perdidas como memórias. como algo bom. são sabores quase esquecidos porque se banalizaram. simplesmente fazem parte de quem somos, de como cozinhamos. deixar cair cada uma destas memórias por achar que é uma cozinha que hoje parece absurda é um erro. os tempos são redondos. um dia, certamente, saberemos o quão surpreendentes são estes saberes que agora se julgam ultrapassados...








22/11/15

... é básico ...


«...tudo isto tem a ver com o conhecimento
de um pequeno jardim no meio da cidade
quando o sono e o silêncio despovoam a terra
e o último vagabundo entra a porta sem número e vai desaparecer
correndo pelo telhado...»
cesariny

... estar numa cozinha a nível profissional é levar cada tarefa a sério. aprender e desafiar o que se sabe e o que ainda não se sabe, ainda mais. não consigo encarar o acto de aprender a cozinhar de outra forma. há tempos e modos para tudo. menos naquele momento em que se está a preparar tudo para outros degustarem. é por isso que vejo sempre como desafio ter elementos muito simples para trabalhar. básicos, para mim, de basilar. de estrutura. de ter que saber fazer com pouco algo de imensamente saboroso e belo. hoje a beleza é um lugar presente na cozinha para além do sabor. cada vez mais penso que esta autoridade do sabor tem que ser muito bem pensada. mesmo muito. quando cozinho parto sempre da premissa: sabor? mas que sabor? não estamos habituados a todo o tipo de aromas e sensações no paladar. estamos diferentes em função das expectativas. temos que ajustar o sabor à expectativa e isso faz de nós cozinheiros a pensar no futuro mas com as mãos no presente. agora, difícil é mesmo esse exercício constante de cozinhar com algo muito simples. às vezes, água, pão, alho, coentros e pouco mais. ou tomate, somente. ou cavala. ou arroz. quem cozinha tem que saber fazer muito com muito pouco. é-lhe exigido isso. nem que seja com a tal expectativa que cerca o sabor. mas cada vez menos se prepara para isso. ensinam-se as técnicas mais elaboradas, exige-se uma modernidade aparente e deixa-se cair a basilar noção de trabalhar em qualidade o que é preciso dar como alimento. isso cai no esquecimento, passado algum tempo. e ninguém saberá fazer mais aquilo que nos define como cozinheiros. ouvi: são gerações diferentes. o que me custa é que houve um tempo em que uns ensinavam tudo aos outros. agora já não é assim. infelizmente. quem perde é quem cozinha. quem um dia precisa de cozinhar algo verdadeiramente memorável e não é capaz de o fazer simplesmente porque não o sabe...

17/11/15

... ecos na cozinha ...


«... quem nos dirá a nós que lá no mar as ondas
não venham ainda a precisar de serem vistas
para continuar a nascer e rebentar...»
ruy belo

... estive a ler o pantagruel. não as receitas. o prefácio. fixo uma frase: «tem de se gostar antes de comer, para depois se saborear com deleite...». já ninguém escreve assim. são ecos de outros tempos. de outros modos. cozinhar é hoje um exercício de vã-glória/vã-cobiça. cada um com o seu caminho. a cozinha é um lugar de egos em vez de ecos. eu gosto muito de cozinhar. cada vez mais. mas não da cozinha que se faz por determinação de um tempo que se perde neste momento em que somos todos cumpridores de um desígnio de espectáculo. levei tempo a descobrir esta identidade para a forma como quero cozinhar. e ainda por cima descobri que estou em contracorrente. isso não importa nada. agora, descoberto o caminho, tenho mais dúvidas ainda. sei ainda menos o que fazer com tudo isto. cozinho hoje muito mais e muito melhor. penso de forma muito diferente o que vou cozinhar e como vou cozinhar quanto tal surge como desafio. aprendi isso com o tempo, com o estudo, com as perguntas e com as respostas. com o que vi, com o que me desafiei a quebrar enquanto limites de mim mesmo. perdi medos. ganhei muitos mais. não sinto que tenha um especial dote para a cozinha. o que sei e faço é por estudo, por racionalização das coisas que procuro conhecer. tenho um terrível hábito de não querer saber o novo nome das coisas antigas. ainda digo frigideira e fritar em vez de sauté e dourar. não sei a diferença entre um molho e qualquer outra coisa. não gosto de emulsionar. gosto de mistura e ligar. é um defeito que cultivo. com muito gosto. o que fazer quando o caminho está definido? sabendo que este, como os outros já tanto escolhidos ao longo da vida inteira estão fora da moda? da tendência, como modernamente se chamam a estas coisas dos rios que correm todos para o mesmo lado. por agora, só aspirar a conseguir ter um ar estúpido. ignorante e inútil. esperar pela onda, a outra, a quem vem sempre depois das primeiras e que é maior. talvez essa seja a minha. talvez um dia chegue o meu tempo ou eu ao tempo certo das coisas da cozinha. não é este. saber o caminho que tenho nas mãos já é bom. esperar é, dizem, uma virtude. talvez de poucos. ou talvez a minha. um dia, quando tudo isto passar, talvez haja em qualquer lugar, um espaço para o que quero fazer com o caminho que descobri para este imenso gosto que tenho por cozinhar. talvez... 

16/11/15

... levar a sério ...


«... tento um regresso aos confins da memória para compreender o que se vai passar
volto ao meu corpo introduzo-me nele até ao sangue
cansado pelos inesperados desastres da travessia
ah quantos quartos vazios revisitei
quantas cidades envenenadas se coalharam no sangue
que pena ter ficado adulto para sempre...»
al berto

... nenhum lugar, como a cozinha, deve ser levado tanto a sério. sem julgamentos ou determinações à priori que fazem turvar a razão e a lógica. tendemos todos a julgar tudo depressa demais. mais quando algo não corre como devia. não há espaço nenhum para a tolerância na cozinha. parece que a ilusão de uma confiança tem mais valor que a aprendizagem por um erro cometido por um acto de descoberta. deixamos tudo para esse movimento, essa forma de dirigir a cozinha. queremos chefes mais do que provocadores de imaginação. alguém que dirige é sempre melhor acolhido do quem quem tem imensas dúvidas. precisamos do conforto dessas certezas. nunca perguntamos para que serve qualquer coisa. dizemos sempre, antes de saber tudo, que está bom ou mau. que está belo ou não. sem perceber nada que não seja o imediato. perco-me em tudo isto. tendo a ter uma necessidade crescente de um erro de alma cada vez maior: entender. dar ao meu entendimento do mundo da cozinha uma explicação válida antes de qualquer julgamento. e de experimentar. de não aceitar só a certeza. de a questionar depois de a experimentar. de voltar a errar mais uma vez e outra, e outra. para saber como as coisas funcionam. só assim aprendi o que já sei. porque pensei porque as coisas não correram bem. porque é que um bolo não cresceu ou um molho não ligou. ou o sabor não ficou como desejava. ou algo não resultou como esperado. isto é levar as coisas um pouco mais a sério. é por isso que me revisto de silêncio agora. que não faço nada que seja meu. que não peço nada. que não quero mais nada que não seja o passar do tempo na cozinha. só isso, passar. sem darem por mim. sem força ou brilho. só estar e ver passar tudo. todos os que sabem mais. todos os que fazem mais. melhor. porque o meu lugar de imaginação para a cozinha não é feito nesta direcção. só isso. nada mais...

14/11/15

... encontrar caminho(s) ...


«...mergulho às vezes as mãos na minha esperança, mas retiro-as ao cabo de algum tempo, antes que se transformem em raízes. destapo uma vez mais o ralo. assim corre a amizade - penso, olhando o redemoinho - assim correm os afectos, que, depois de encherem a bacia onde a custo nos lavamos sem os fazermos transbordar, se escoam sem regresso em direcção ao caos...»
luis miguel nava

... ao fim deste tempo devia ter encontrado algo mais do que só um caminho para a "minha" cozinha. cercado de gente com certezas eu só tenho dúvidas e muitas questões por responder. a certeza do sabor desvaneceu-se no sentido do tempo. que sabor em que tempo. ou cada um no seu tempo. ou como o encontrar no meio de tanta coisa perdida. ou de desencontros entre quem degusta e quem deseja cozinhar com sabores antigos. suspendo tudo perante a beleza. qualquer pessoa o faz. é a essência do belo e do bom, como diria umberto eco. a suspensão. o parar perante isso. sei muito mais do que sabia. sei cozinhar muito mais do que alguma vez pensei ser possível. apaixonei-me pela doçaria e revi a forma como a cozinha pode ser em diferentes momentos, tempos e modos. falta encontrar-me no meio de tudo isto. no meio de um reino de gente endeusada ou de almas enlouquecidas. talvez porque não tenho ideia que saiba fazer o que quer que seja verdadeiramente bem. sempre foi assim, toda a vida. fazer um pouco de tudo e nada excepcionalmente. desgasta isto. retira as forças. por muito que se procure uma salvação não se encontra porque em nada consigo sossegar a alma inquieta. o caos de saber um pouco de tudo e nada ser meu. gosto muito de cozinhar. faz parte de mim. cozinhar e cozinhar bem. mas gostava de encontrar esse lugar, essa coisa, essa marca que fosse minha e memória para os outros. é uma busca incessante. sei que a base da cozinha feita memória é a minha forma de cozinhar. dela faço essência, razão e lógica. da raiz de tudo, sem tradições artificiais ou colagens efémeras. sei isso. o que fazer com isso para determinar algo de excepcional é que falta. sempre me faltou. é nessa busca desgastante e constante em que vivo. conseguir é tentar primeiro. passo a passo talvez um dia consiga. ou fique só o caminho e nada mais. um dia li: aqui fica aquele de quem ninguém contará a história. talvez seja essa a marca da minha cozinha. ser de todos menos a feita pelas minhas mãos. que por elas corram todas as outras que antes fizeram. em respeito. quem sabe. será só isso...

13/11/15

... ris[sóis] de sardinha em caldeirada ...

... ouvi: e por que não fazer rissóis de sardinha? aprendi com a vida a dizer que sim antes de dizer que não a algo que pode parecer impossível. sabia a receita da massa. o resto era preciso pensar. pensar que a sardinha é um peixe de sabor forte. pensar que o mar, faltava, ali. e ao mar, o sabor de outros peixes. perder a textura bruta e rude da sardinha seria um erro. dar-lhe sabores para a acompanhar, era difícil mas não impossível. quebrado o impossível, eis o resultado. o inesperado...

«... é que absorvo demais as coisas. é como se ao atravessar uma rua nova o chão ficasse colado ao meus sapatos e mais ninguém tivesse espaço para pousar os pés. é como se a partir daí só os pássaros pudessem percorrer a rua - finalizava, num tom poético, muito raro em si, pois era homem que se orgulhava da sua lógica...»
gonçalo m. tavares


ris[sóis] de sardinha em caldeirada
ingredientes
para a massa
750 ml de água
500gr de farinha peneirada
50 gr de manteiga
ou
40 gr de banha
zeste de limão
sal
ovo e pão ralado para panar

para o recheio
10 filetes de sardinha fresca
50 gr de miolo de mexilhão
2 tomates maduros
1 pimento vermelho assado
salsa fresca
cebola
alho
salsa
azeite
vinagre
vinho branco
sal e pimenta
picante (a gosto)

receita da massa: ferva a água com a manteiga, o sal e a zeste de limão. quando ferver junte, de uma vez só, a farinha e mexa até ligar e ficar uniforme. deixe arrefecer e tenda com o rolo da massa o mais fino que conseguir. guarde no frio.

receita para o recheio: refogue em azeite (pouco) o alho com a cebola picados grosseiramente. quando estiver esbranquiçado junte o tomate cortado aos cubos ou rodelas finos. deixe desfazer. junte o pimento, deixe apurar. quando juntar o pimento junte depois uma colher de chá de vinagre e refresque com vinho branco. tempere. quando estiver a ficar sem caldo junte o mexilhão cortado aos pedaços e os filetes de sardinha cortados em cubos médios e deixe apurar. reveja os temperos e refresque sempre com vinho branco. no final, deve ter pouco caldo mas é impossível não ter nenhum pelo que deve coar a fim de ter um preparado o mais seco possível sem deixar de ser húmido.

receita para os ris[sóis]: tenda a massa, corte em forma redonda ou semi-redonda, recheie o meio e feche. passe por farinha, ovo e pão ralado. frite em óleo quente (185º). sirva morno ou frio.

dicas: sendo um ris[sol] de tipo rude ou popular, deve ser acompanhado de um vinho branco ou verde fresco e uma salada fresca. pode temperar o pão ralado com limão, orégão fresco, sal e pimenta. se usar sal no pão ralado reduza na massa.

... em cozinha o lugar da invenção é algo de impossível. mas a criação, não. nem que seja por nunca termos atravessado aquele mar. ou feito aquele caminho. este é um desses casos. e há coisas que nunca passam de moda. os ris[sóis] são uma dessas coisas. quando são bons, são algo de imaginado e fabuloso...


...dias diferentes na cozinha ...


«... diz-se a um cego, estás livre, abre-se-lhe a porta que o separava do mundo, vai, estás livre, tornamos a dizer-lhe, e ele não vai, ficou ali parado no meio da rua, ele e os outros, estão assustados, não sabem para onde ir, é que não há comparação entre viver num labirinto racional, como é, por definição um manicómio, e aventurar-se, sem mão de guia nem trela de cão, no labirinto dementado da cidade, onde a memória para nada servirá, pois apenas será capaz de mostrar a imagem dos lugares e não os caminhos para lá chegar...»
josé saramago

... temos sardinha. a "na telha" parecia soar a conhecimento. o escabeche, a sabor. mas o tempo de aprender não é vestido para servir a rotina. é tempo para experimentar. parecia simples. o pimento fica sempre bem. a batata frita. a couve salteada. dar forma a algo bonito. isso e o desbravar de um desafio: rissóis. fez-se tudo. na telha, em camadas e em rissóis. o mesmo produto. no final, importou experimentar. não o resultado mas o que podia ter ficado melhor. com isso sabemos que aprendemos. poucas vezes existem estas oportunidades. se falhamos é sinal que estamos a tentar. e depois, fecha-se o dia. mais uma semana. mais um mês. mais um tempo, não importa. nada se arruma. começa outro tempo. faz-se uma compra ou outra. é o tempo de cozinhar para quem se ama. para os próximos. aqueles que são a pele dos dias. da vida. em pura liberdade. em pura dedicação. não se pára. aprende-se. experimenta-se. faz-se tudo. de tudo. cozinha-se o que se gosta. como se gosta. numa dança das mãos e dos gestos. sem técnica. apenas dedicação. sem tábuas ou tipos de corte. sem nada disso. só para o prazer. para roubar mais tempo ao tempo que é tão pouco para cozinhar assim. há nisto toda a beleza e salvação do mundo e de nós mesmos. é preciso dizer e ver isso. sentir isso. isso dá alma ao que se faz. depois, profissionalmente ou simplesmente para os outros que não são aqueles que vivem em nós. na cozinha, nesta, cozinhamos sem querer errar muito mais do que na outra. não permitimos a nós mesmos o erro ou o remendo. queremos saber mais, por isso, para isso. não para cozinhar melhor. para dar mais. transferimos isso para os sabores. e para as mãos. treinamos. fechamos a alma ao correr dos dias e nesse tempo da cozinha que é uma imensa conversa enamorada, sabemos que nunca conseguiremos repetir nada daquilo noutro contexto. aquela é, verdadeiramente a nossa cozinha. quem somos, num prato. num sabor. porque é assim que dizemos tudo. que cuidamos. de tempos a tempos conseguimos isso no lado profissional. porque nos dão liberdade para tal. porque nos deixam mover as mãos em criação sem medo ou julgamento. é muito raro. nunca me aconteceu. cozinhar para aqueles que são a nossa vida é isso mesmo. dar-lhes vida. num sabor...


12/11/15

... das coisas e dos modos ...



"... considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo. não sei onde me levará, porque não sei nada. poderia considerar esta estalagem uma prisão, porque estou compelido a aguardar nela; poderia considerá-la um lugar de sociáveis, porque aqui me encontro com outros. não sou, porém, nem impaciente nem comum. deixo ao que são os que se fecham no quarto, deitados moles na cama onde esperam sem sono; deixo ao que fazem os que conversam nas salas, de onde as músicas e as vozes chegam cómodas até mim. sento-me à porta e embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem, e canto lento, para mim só, vagos cantos que componho enquanto espero..." 
fernando pessoa 

 ... há modas. tempos. formas de saber as coisas. gerações. e coisas que passam. sabores que se perdem. cozinhar hoje é conservar tudo isso. ao cozinheiro devia ser exigido esse lugar de restauração. parece que tudo obriga a uma modernidade permanente, fluída, onde a memória é um ingrediente envolto em nevoeiro para ser vendido como "tradição" ou pelo menos como sabor seguro. não se aprende isto. ninguém ensina isto. isso vem com um olhar admirado sobre a realidade das coisas. a cozinha precisa desse espaço. e quem cozinha precisa de ter isso presente quando cria. quando lhe é exigido que transforme o real. o conhecido. o que já faz parte da memória colectiva. hoje, sentir isso é aprender. é até estar perto de compreender o presente. hoje, apresentamos a cozinha como lugar de espectáculo. de estrelato. de fama. mas a cozinha é tudo menos isso no correr dos dias e do trabalho. é esforço e conhecimento. e se a ideia da figura de quem cozinha como elemento central parece hoje ser uma evidência inquestionável a verdade é que todos pertencem a um devir maior do que eles mesmos. antes de nós, cozinham outros. depois de nós, outros vão cozinhar. outros vão conseguir aquilo que nós tentámos. e outros vão seguir passos que nós conseguimos abrir. as mãos vão-se somar. no sabor. na técnica. na forma de fazer as coisas que se conhecem ou se deram a conhecer. quem degusta, quem prova, quem come, sabe isto. sente isto. é o prazer de algo ser saboroso. algo que se leva à boca com expectativa e se revela como uma iguaria feita de tempo e da soma de todas as coisa seguras que faz, quem come, dizer: quero voltar. quero voltar a provar. a comer aquilo que se transformou em memória pessoal construída de tudo aquilo que faz de um alimento algo de fabuloso. isto não se ensina. é preciso perceber. mais do que perceber, é preciso compreender. isso faz tudo ter sentido. mais do que sentido: lógica. esta ideia não é de quem está a dar estes passos primeiros no mundo da cozinha. nem olhar para o passado como referência única. é uma filosofia para o acto de cozinhar. a minha. desaparece aqui a ideia do imediato. ou da aparência do sabor. ou da plasticidade num tempo de coisas efémeras. é por isso que o esforço que faço é maior. sempre maior. para me superar. para superar o que sabia fazer, o que vi fazer, o que aprendi. este estado de inconformidade faz de mim um aprendiz de coisas de cozinha. é um passo. um passo muito pequeno. mas essencial.

09/11/15

... histórias de cozinha ...


«... houve uma vez um tempo que não fosse um tempo de perguntas? nadas-mortas até à última. antes disso. tão cedo dadas à luz.antes disso. num tempo sem a palavra resposta. tempo de não ser possível responder. de não poder não querer saber. de não poder. de não. jamais. um sonho. eis a resposta...»
beckett

... ensinar é dos actos mais difíceis que conheço. é dar o que se sabe. fazer tal coisa bem é ainda mais difícil. cozinhar é dos actos mais exigentes que conheço. é por tudo o que se sabe para dar sabor e memória. e delícia. fazer tal coisa muito bem é ainda mais difícil. ensinar a cozinhar bem é missão dada como relíquia a poucos. pedi, durante tempo demasiado longo, para me ensinarem a fazer pasteis de bacalhau. não uns quaisquer. uns bons pasteis de bacalhau. aprendi. porque me ensinou quem sabe, verdadeiramente, fazer. e ensinar. e mostrar, sem reservas, o que sabe. cozinhar assim é cozinhar com essência. é cozinhar os alimentos com alma. não são ingredientes nem iguarias como modernamente lhes chamamos. são alimentos. de alma. com as mãos. só podia ser com as mãos. as mãos que fazem tudo. que amassam. que separam. que ligam. que temperam. sem certezas. "não sei quantos ovos". é preciso ver, saber, sentir. é preciso isso mais do que qualquer ciência ou sabedoria virtual. são coisas ancestrais estas. que não se ensinam a não ser pelo exemplo. por ver fazer. por fazer. por reparar que as coisas, sendo simples, revestem-se de uma única certeza para ficarem boas: dedicação. o sentimento ajuda. do alimento à alma e ao prazer de comer vai um passo pequeno. o resto é experiência. e quando se ensina e cozinha assim nada mais é preciso. isto tudo, por causa de um maravilhoso pastel de bacalhau...

05/11/15

... parece fácil ...


«... sentiu que estava a deixar de ser inteiro. sentiu aquilo que vivia não era a realidade. mas ele não sabia muito bem o que era a realidade. havia muito tempo que dentro de si se quebrara algo que lhe permitiria viver pelo prazer sem ser dominado pela dor. nunca se sentira só. a solidão é uma onda negra que se apodera lentamente do interior de nós, até nos envolver de forma insuportável. e só se revela com  voracidade interminável quando nos tornamos na recordação perdida de termos vivido fora dos outros...»
baptista-bastos

... já passou tempo. algum tempo. na vida, um ano. só isso. tudo isso. aprender a cozinhar é aventura para uma vida inteira. nunca para um tempo determinado. nunca por se fazer uma vez uma confecção. nunca por ver fazer. cozinhar é feito de um imenso misto entre o saber, a experiência e dedicação. repetir é importante, tanto como conhecer. tanto como pensar. como estudar. como rever. como esperar mais. como estar constantemente inquieto. desejar mais. desejar fazer melhor. conseguir e falhar muito mais. como na vida. e depois, depois perceber que é nas coisas feitas com a maior simplicidade que está o maior desafio. um molho que se faz para um peixe com mestria. uma sobremesa feita com elementos tão simples que qualquer pessoa reconhece a beleza do sabor ali criado. uma deliciosa composição de chocolate que leva só duas coisas e o resto é o mover de mãos e a forma de envolver tudo. uma conversa de corredor sobre cabrito ou sobre qualquer outra coisa em que se reflecte a vida de quem cozinha ou quem sabe. ao fim deste tempo, percebi isso. que aprendi e aprendo com cada momento algo de muito importante. uma escola pode ser isso também. feita de momentos. uma escola de cozinha tem que ser feita disso. da diversidade de cada opinião, de cada forma de fazer. é nisso que reside a beleza de tudo o que se aprende, assim. até aprender a saber ver quem sabe fazer com pouco, muito, é algo de revelador. e o contrário também. foi e é muito difícil estar nesta viagem. muito mais do que alguma vez pensei. mas há dias em que, vendo estas coisas simples brilharem e dizer para mim: isto é cozinhar, sei que um dia, lá muito longe ainda, gostava que dissessem isso de algo que eu faça. porque não quero ser chefe, nem anseio qualquer reconhecimento de nada nem de ninguém. o que gosto na cozinha é mesmo do anonimato. é raro alguém dar os parabéns, é ainda mais raro alguém agradecer ao cozinheiro por uma iguaria provada que se revela tão boa que nos prende a vida e a suspende por instantes. por isso, e gostando imenso dessa solidão anónima da cozinha, hoje só consigo pensar nisso. cozinhar é mesmo esse acto de fazer com coisas simples algo fabuloso. cozinhar é isso. tudo o resto é espectáculo. ou qualquer outra coisa. é por isso que, ao encontrar feito por quem sabe e como deve ser feito, algo tão bom de tão simples que é, que me reencontro comigo e repito: cozinhar é isto. nada mais. e ainda bem...

04/11/15

... finalmente, perceber ...


«... é tarde
nenhum sono
repõe o que não vivi.
(...)
agora,
resta um único desfecho;
de novo, acordar por dentro...»
mia couto

... escrevinha-se qualquer coisa num papel. faz-se um desenho. um círculo. pensa-se em todos os sabores possíveis. pensa-se que marisco combina com citrinos. faz-se este exercício de memória. de raiz. parte-se depois tudo em pequenos pedaços. fica-se com dúvidas. cada vez mais. e cada vez mais uma insatisfação permanente. a ideia constante que se pode e se sabe fazer melhor. depois, depois pensa-se que é preciso dar um passo de cada vez. este foi mais um passo. pequeno, feito da ideia que, em parte, se conseguiu vencer uma barreira que existia. esta cozinha não é nem nunca será a minha porque lhe perco a mão. porque não tem alguns elementos que gosto muito. a estrutura. a dimensão. a profundidade. a memória. a construção. mas percebi. percebi duas coisas fundamentais. que o sabor final se pode construir por camadas. separando cada elemento que constitui uma conhecida confecção. e que um prato, desta cozinha contemporânea vai sempre ser sustentado por um sabor antigo. maior do que os outros. que, como se diz modernamente, se sobressai no meio de tanta coisa. obriga a pensar. obriga a sair dos lugares onde me sinto mais presente. mais cozinheiro. aqui, tudo se transforma numa estratégia de decoração. decorar um prato. decorar um sabor. dar, a quem come, a possibilidade de escolher como quer comer e o que quer misturar. doce, amargo, salgado, agridoce. falta, por isso, a dimensão da cozinha de tacho. de tempo e de modo. falta aquela ligação única do sabor demorado. isso não é bom nem mau. é diferente. isto, bonito ou não, é só um exercício de estética. nada mais. para quem cozinha importa a superação. para quem aprende, importa o caminho. esse que não nego, faz-me rever as coisas agora. se sei que cozinha é a minha e qual a razão que nela encontro, sei agora, nestes primeiros passos qual a forma que esta também tem. aprender isso é uma conquista. muito pequena, ainda, mas quase improvável há uns tempos. agora, agora é tentar revestir uma confecção de um sentimento. a minha alma triste e cansada seria capaz de produzir algo assim. pensarei nisso. em colocar a nostalgia num prato. a cozinha que gosto coloca a saudade no centro da degustação. da memória que fica. talvez, se conseguir colocar a nostalgia no centro de um prato dela me consiga livrar. nem que seja por instantes...

03/11/15

... faz um ano ...

... há um ano estava a aprender a fazer massa de fartos/choux. foi uma viagem única e imensa a que fiz a aprender algo que me parecia impossível: pastelaria/doçaria. tive, neste campo, a orientação de chefes que me marcaram para sempre e me continuam a fazer querer saber mais a cada dia que passa. perdi o medo. isso foi o que mais aprendi. a perder esse medo que me dizia que não seria capaz de fazer o que hoje as mãos parecem já conhecer desde sempre. aprendi. verdadeiramente, aprendi. e nada há de mais libertador do que isso...

«... as cenas da nossa vida assemelham-se a um quadro feito de mosaicos toscos; é ineficaz visto de perto e tem de ser admirado à distância para se lhe apreciar a beleza. é por isso que atingir algo desejado é descobrir como isso é vão; e é por isso que, embora vivamos toda a nossa vida na expectativa de coisas melhores, costumamos ao mesmo tempo ansiar tristemente pelo que passou...»
schopenhauer


massa de fartos/choux
(a que uso e como faço)

ingredientes
80 gr manteiga
250 ml de água
15 gr de açúcar
5 gr de sal
125 gr de farinha
4 ovos inteiros

receita: ferva a água com a manteiga até esta se desfazer. junte o sal e o açúcar quando estiver derretida a manteiga. desligue o lume e misture a farinha de uma só vez batendo com uma colher os elementos até ficar com uma massa homogénea. deixe arrefecer. junte, depois de fria, os ovos dois a dois até obter uma massa de aspecto cremoso. deixe descansar. leve ao forno a 200º os primeiros 5 minutos num tabuleiro untado e depois o tempo necessário para cozer a massa a 150/160º.

dicas que faço:
* peneirar a farinha, sempre.
* usar manteiga sem sal.
* deixar massa arrefecer completamente à temperatura ambiente e tapada com pano ou película.
* bater a mistura da água com a manteiga quando se coloca a farinha em círculos constantes e rápidos.
* juntar os ovos dois a dois e se necessário mais uma gema até obter uma pasta cremosa.
* deixar a massa descansar e levar ao frio antes de ir ao forno.
* se quiser uma massa para salgados inverto a dose de açúcar e sal.

... é por aprender e saber fazer muitas e muitas vezes a mesma coisa fazendo com que o resultado seja sempre similar que podemos tomar a liberdade de tentar melhorar algo que sabemos já, em parte, dominar. é assim a natureza das coisas. e o absurdo das ideias certas...


... lógica na cozinha ...


«...é possível que a essência do futuro esteja na margem, na pequena ponta que sobeja e que ficou por lavrar, por ordenar. é possível que naquele bosque fechado, naquele campo abandonado, baixo e húmido, onde às vezes atolamos os passos, se encontre o até então indefinido, o tesouro escondido mas, de qualquer modo, o espaço livre que permite o desenho e a iluminação dos homens livres...»
antónio alçada baptista

... é preciso sentido. lógica. na cozinha. ao cozinhar. e saber. e memória. faz-me uma imensa confusão cozinhar em isso presente. pode até ser uma lógica não funcional. pode até ser algo absurda, mas há que criar essa linha, essa ordem, essa corrente de organização que permita uma leitura de tudo e e de todos em função do que se quer cozinhar e o que se quer servir. mandar não é dar lógica. é dar comando. criar um prato por criar, numa série de muitos, pode até ser dar essa razão a um prato mas que se integra num todo. numa fase em que a aprendizagem passa pela experimentação sei, mais do que nunca, que a cozinha precisa respeitar as suas mais sagradas certezas. cozinhar uma sopa de castanha não é o mesmo do que um creme de legumes ou qualquer outra sopa. preparar uma entrada fria com ameijoa e sapateira não é o mesmo do que fazer uma salada. as mesmas regras não se aplicam a produtos diferentes mesmo sendo a finalidade a mesma. é preciso "ouvir" cada produto. saber o que se está a trabalhar. pode parecer estranho este lado intuitivo que cada vez mais descubro mas é fundamental ver que sem saber com o que vamos cozinhar, no momento, é quase impossível perceber o fim de tudo. é por isso que é tão importante conhecer o mais possível os diferentes métodos de confecção. a história e a técnica. a razão e a utilidade. isto salva o produto. mais, salva o sabor. cozinhar é um processo que nasce dessa intuição e termina na lógica. numa lógica necessária. numa lógica urgente. para se salvar o que se cozinha. ou então tudo não será mais do que um exercício imediato vazio de sentido e de sabor...



01/11/15

... na cozinha ninguém manda ...


«...tudo o que fazem os homens está cheio de loucura. são loucos tratando com loucos. por conseguinte, se houver uma única cabeça que pretenda opor obstáculo à torrente da multidão, só lhe posso dar um conselho: que, a exemplo de timão, se retire para um deserto, a fim de aí gozar à vontade dos frutos de sua sabedoria...»
erasmo, elogio da loucura

... retiro-me, agora. já o tinha feito, da vida, agora, da cozinha. na cozinha. nesta caminha aprendi duas coisas fundamentais: ouvir sempre, aprender sempre e que nada feito pelas minhas mãos possa ser provado sem eu achar que está bom. estabelecer estas duas regras que são padrões de um modo de estar na cozinha fazem do caminho que faço uma travessia imensa. porque exige muito mais do que só cumprir estes mandamentos. ouvir exige, em primeiro lugar, colocar de lado as minhas (poucas ou nenhumas) certezas. e aprender pode ser ver comprovado aquilo que pensava errado ou certo no caminho oposto. e depois a regra que tenho que não gosto que nada do que posso fazer não cumpra essa ideias simples e muito exigente de ser, para mim antes do que para quem vai comer, algo que está verdadeiramente bom. não é bem feito nem tecnicamente bem executado, nem bonito. é bom. e bom é o somatório de tudo isso. é por isso que, para sobreviver neste tempo das coisas feitas de todas as formas e de todos os modos, me tenho que retirar. me colocar fora da corrida. este nunca foi o meu tempo. nem o meu mundo. nem nada disso. sou só uma pessoa mais do que imperfeita a tentar aprender a cozinhar. isso pode não ser nada. neste tempo, não é. é até o pior lugar para estar. por isso, tudo custa muito mais. cada dia, cada coisa que não aprendo, cada palavra dita sem razão, cada falha que tenho. cozinhar e aprender a cozinhar é agora, para mim, um lugar de retiro. para encontrar o que falta. ou sobreviver. tão somente...

... tarte de dia de chuva ...

... às vezes, quando a vida é mais dura, precisamos de um momento simples em que algo nos diga que tudo vai passar. os dias de chuva são demasiados, às vezes. por isso, regressar ao simples e à certeza de um sabor reconfortante é algo precioso. muito mais quando sabe, verdadeiramente, bem...

«...uma pessoa não está... nítida e imóvel diante dos nossos olhos, com as suas qualidades, os seus defeitos, os seus projectos, as suas intenções para connosco (como um jardim que contemplamos, com todos os seus canteiros, através de um gradil), mas é uma sombra em que não podemos jamais penetrar, para a qual não existe conhecimento directo, a cujo respeito formamos inúmeras crenças, com auxílio de palavras e até de actos, palavras e actos que só nos fornecem informações insuficientes e aliás contraditórias, uma sombra onde podemos alternadamente imaginar, com a mesma verosimilhança, que brilham o ódio e o amor...
marcel proust




tarte de dia de chuva
tempo: 1.30h
ingredientes
para a massa
200gr de farinha
10 gramas de açúcar amarelo
50 gr de manteiga
1 gema
4cl de água morna

para o recheio
4 gemas
150 gr de açúcar amarelo
20gr de farinha
raspa de 1 limão
meio litro de leite
6 maçãs
canela
mel

receita: faça a massa juntando todos os elementos numa taça e amassando até ficar com uma massa lisa e homogénea. deixe repousar por trinta minutos.
prepare o recheio colocando o leite a ferver com dois paus de canela. numa taça, em separado, bata quatro gemas com o açúcar e a farinha até ficar esbranquiçado. junte a raspa de um limão. verta o leite, depois de ferver, aos poucos e mexendo sempre, aos preparado. depois de ligado, leve ao lume até engrossar e reserve.
estique a massa e forre uma forma de tarte previamente untada com manteiga (abundante). pique o fundo. polvilhe o fundo depois de forrado com açúcar amarelo e canela. corte as maçãs às rodelas de tamanho fino a médio e disponha em círculo até forrar o fundo. verta, depois, o recheio que deve estar ainda morno. espalhe. polvilhe novamente com canela (e pode juntar umas gotas de vinho do porto se gostar). volte a fazer uma nova camada de maçãs às rodelas em círculo. forre com tiras da massa ou deixe sem nada. volte a polvilhar com açúcar amarelo e/ou mel.
nota: sirva morno acompanhado com um gelado de nata ou natas batidas com raspa de laranja e hortelã.

... salvamos os dias por instantes. por breves segundos. guardando um sabor por mais uns momentos. sabemos que poucas coisas são tão certas assim. salvamos a vida, por isso, nem que seja só por um instante...