«I
think that the important thing with any kind of food culture is that
– food is, by definition, made to be consumed relatively quickly.
Perhaps you have a cheese or a cured ham that can last for a couple
years, but that’s about as long as any food can actually stay
intact without disappearing. And this means that if you stop using
techniques for food production traditions, if it’s not in practice
anymore, it takes one generation for the primary knowledge to be
gone. And two generations for the secondary knowledge, the memory, to
be gone. And then in three generations, which is not that long, you
only have written knowledge or otherwise recorded knowledge, which is
not the same thing. And because of this, the food culture changes so
quickly, so many of these dishes that we consider to be iconic dishes
to our region, they aren’t that old.»
magnus nilsson
cozinhamos
no momento em que vivemos. usamos conhecimento edificado ao longo de
demasiado tempo em que uma diversidade imensa de mãos, rostos,
gestos e desejos se encontraram para fazer de um prato algo de
memorável. a nossa cozinha, seja ela fruto de que influências ou
correntes sejam, é sempre contemporânea. nisto se misturam todas as
coisas. a história e a ciência. a ciência é recente. temos, no
máximo, cem anos de uma lógica verdadeiramente científica. esta
mudança de paradigma chegaria, como chegou, inevitavelmente à
cozinha. ao processo e aos métodos de cozinhar os alimentos. por
duas razões fundamentais tal se verifica: a mudança do imediatismo
da degustação e a alteração técnica no processo de
per si. vamos por partes. hoje, numa sociedade de tempo urbano acelerado,
local e vivência temporal que acolhe com maior facilidade o tipo de
cozinha dita molecular ou experimental, a mesa representa um local de
status assim como de representação. se a ideia de representação
social da mesa e do momento de alimentação sempre se reflectiram na
história como uma verdade incontornável de encenação da vida, o
mesmo não se passa com a forma como tal ocorre.o tempo dedicado ao
acto de comer alterou-se na forma e no modo. a cozinha e o processo
de confecção acompanharam este movimento e com isso tiveram uma
necessidade imensa de se adaptar. geralmente associada a menus de
degustação, esta cozinha experimental quer surpreender mais do que
confortar. quer dar-se a falar mais do que deixar os comensais
falarem de outras coisas. quer ser o centro da mesa em detrimento de
quem lá está e quer tudo isso num tempo médio curto onde, o
imediatismo é determinante e cada instante é em si mesmo a tal experiência que se reclama em cada prato. a cozinha típica portuguesa é diferente na razão e na essência disto mas também
reclama essa centralidade, embora, na sua razão completamente
diferente desta. esta é a maior incompatibilidade entre as duas
formas de cozinhar. enquanto escrevia estas linhas recordei uma
reclamação de memória que josé avillez referiu recentemente
relativamente a um jantar de degustação sobre memórias de infância
em que foi convidado a participar. cito: “transportar as pessoas
para a minha infância, que provavelmente é também a de muitas
delas, em apenas duas colheradas.”. falava de um cozido à
portuguesa criado com apenas um elemento de carne e onde todo o sabor
estava no caldo. é deste senso e gosto que falo quando refiro a
questão do imediatismo e dessa ideia de referência que é
antagonizada pelo processo de que falarei a seguir. se a memória é
algo de imensamente importante na criação do prato, como podemos
assegurar essa referência seja colectiva. é o imediatismo que trata
disso. tal como a variedade, necessária para acertar numa referência
e tornar a experiência de comer algo conhecido como útil e elemento
de puro prazer para que come. é aqui que a cozinha dita molecular ou
experimental se separa definitivamente da cozinha típica. é onde,
muitas e muitas vezes falha para alcançar o desejado local de
referência. esta centralidade da memória que se representa no prato
é distinta em cada caso. na cozinha típica portuguesa o que importa
é a reunião. na cozinha contemporânea que usa essa referência
como elemento de ligação à memória colectiva ou individual, a
centralidade é o prato em si mesmo e a “experiência”. mas
falemos do elemento seguinte. a alteração substancial no processo. hoje as cozinhas profissionais são dotadas de equipamentos e de
recursos (elementos químicos, substâncias reguladoras, etc...) que
permitem (ou tentam) em pouco tempo conseguir o que na cozinha típica
portuguesa era (e é ainda em muitos casos) feito pelo tempo e por
processos ancestrais. se é verdade que muitos procedimentos caíram em desuso e se adaptaram à modernização que a sociedade portuguesa vivemos nos últimos quarenta anos de liberdade e inclusão europeia,
também é verdade que há procedimentos que se vão mantendo. por
exemplo, desaparecendo quase integralmente a salga dos alimentos de
base (carne e peixe) sendo substituídos pela refrigeração, tal
ainda se tenta conservar no processo de marinar cada elemento ou
deixar a salgar de um dia para o outro, por exemplo para a confecção
do cozido já aqui referido. os elementos ancestrais de segurança
confundem-se aqui com os elementos de tempero, mas acima de tudo, de
saber e sabor de manutenção dos processos de confecção. a cozinha
dita molecular ou experimental quer acompanhar este movimento. hoje
há um movimento vivido por muitos chefes para reabilitar estes
procedimentos onde o expoente máximo é a “maturação” da carne
que parece ser moda em construção. mas a isto juntam-se os tais
elementos ditos moleculares. porque o tal imediatismo e a alteração
do processo e tempo, assim como a alteração sofrida na tecnologia
disponível na cozinha actualmente assim o obriga. partem-se
processos que não devem sem quebrados e juntam-se intensificadores
de sabor, emulsionantes e coisas que tais para conseguir algo que o
tempo e o modo da cozinha dita típica ou tradicional consegue fazer
em conjunto. fuma-se a carne ou peixe depois de o assar, frita-se ou
liga-se tudo em jeito de finalização sem reparar na importância
que tem a confecção como um conjunto em si mesmo. é aqui que se
separam as águas no que diz respeito a quem confecciona usando
elementos da cozinha dita molecular ou experimental e quem percebe a
necessidade de a integrar sem alterar essências. faz a diferença
essa relação directa e transformadora. faz principalmente diferença
no sabor sentido. e na tal referência de memória que tudo liga.
cozinhamos
no tempo em que vivemos. as experiências que hoje fazemos serão
integradas no futuro. as receitas que julgamos antigas são tão
recentes como a distância de duas geração e pouco mais. tenho a
plena noção disso. como tenho também a noção que cada prato da
cozinha típica portuguesa representa uma evolução de séculos. de
transformação. muitas vezes até radical. mas a conjugação entre
a cozinha de hoje e a típica ou tradicional não só é necessária
como imensamente útil. não viveremos nos tempos passados. viveremos
e deixaremos aos que no futuro vão cozinhar novas formas de ver cada
sabor, cada processo, cada experiência. o que não podemos alterar,
ou devemos alterar, é a centralidade de tudo isto na mesa. este e
esse movimento é que está por fazer. retirar a fama e a conversa
centrada no prato e no espectáculo que surpreende para o recentrar
na memória e na referência e no encontro. a mesa como local de
encontro está a perder-se. fruto do movimento imediato e líquidos
dos tempos que vivemos. talvez esse seja o maior trabalho que quem
cozinha tem que fazer.
“se
os senhores se referem à cozinha molecular, tenho o maior prazer em
dizer que não a praticamos. lamento também informá-los que ninguém
come em museus nem vem aos meus restaurantes para comer as cortinas,
só existe uma culinária: a boa”.
paul boucuse