17/08/14

... de um livro retrato ...

... adiei. a escolha. nunca é fácil. mais quando o desafio é imenso. criei este espaço com esse objectivo. dar sabor aos livros que li. é um desafio impossível. e adiei por isso mesmo. pela impossibilidade. ou pelo desvario. ou pela dificuldade da escolha. andei em roda. de roda. a pairar. a atrasar a aventura. mas um dia tinha que correr o risco. a escolha apareceu como óbvia. pela imensa paixão que tenho pelo autor. e por este pequeno texto tantas vezes esquecido no seu teatro maior. uma obra que se lê em poucos minutos. mas absolutamente brilhante. imensa. densa. que atravessamos com ele. ele que escreve. ele que descreve. ele, beckett, só podia. só ele podia escrever assim. e dar sabor a isto. como? impossível dar sabor a palavras assim:

..."não mais possível a não ser enquanto quimera. não mais sustentável. ela e o resto. nada mais a fazer senão fechar os olhos de uma vez por todas e vê-la. a ela e ao resto. fechá-los em definitivo e vê-la moribunda. sem eclipses. na cabana. no circo de pedras. nos campos. no nevoeiro. diante do túmulo. e de volta. de uma vez por todas. tudo. a morte. ficar livre. passar adiante. à quimera seguinte. fechar para sempre o olhar sujo da carne. o que é que a impede? atenção."...

mal visto, mal dito, samuel beckett


pato em nevoeiro
1 hora
ingredientes (2px)
peito de pato
laranjas
mel
arroz
alho
amêndoa laminada
maçã
feijão verde
cebola pequena
azeite
sal
pimenta
salsa

receita para o pato: compre um pato fresco. peça para separar os peitos sem osso e deixe ficar a pele. lave muito bem e limpe. retire gordura em excesso. tempere com sal e limão. reserve. esprema o sumo de uma laranja num recipiente e junte uma colher de mel. pré-aqueça o forno a 220º. num tacho de barro deite um fio de azeite e leve o pato ao forno. deixe estar a 220º por cinco minutos. deite em cima do peito do pato o sumo da laranja com o mel e deixe terminar por mais vinte minutos (depende do tamanho do peito e da qualidade do forno). no final aumente a temperatura para tostar a pele. não vire. 

receita para o puré de maçã: coza duas ou três maçãs em água a ferver até quase se desfazerem. retire da água e esmague com um garfo. junte um pedaço pequeno de margarina e duas colheres de leite. junte uma pitada de sal fino. junto uma pitada pequena de canela. se precisar de engrossar junte uma colher de chá de farinha peneirada e mexa muito bem. 

receita para o arroz: frite num fio de azeite umas amêndoas laminadas. quando estiverem alouradas coloque o arroz, um dente de alho e o sal. deixe cozer até ficar seco. 

receita para o feijão verde: desfie o feijão em tiras finas e longas. coza em água com uma rodela de cebola. numa frigideira coloque um fio de azeite e aqueça. retire o feijão verde depois de cozido e saltei juntando uma pitada de salsa fresca.

dica: coloque no prato, decore e sirva quente. deve ser acompanhado por vinho tinto de boa qualidade para reforçar o sabor da carne.

... estive na dúvida. entre o cabrito e pato. para este livro. mas há algo que só seria possível recriar cm o sabor doce e calmo que o pato assim experimentado permitia. é que, como se de um imenso retrato esquecido se pudesse tratar, cada sabor precisava de ser revelado. em contraste. é por isso que este prato será a recriação da viagem que o autor nos convida a fazer. há no esquecimento um sabor amargo. mas doce, também. porque há no esquecimento, sempre, a reserva da memória. o que fica preso a nós. na pelo, no correr dos dias. naquele sabor que nos recorda um momento concreto já vivido. esta experiência, a primeira, tinha que ser essa viagem. só assim fazia sentido ter feito nascer este espaço. uma viagem ao livro. para ser discutido. falado, em conversa, à mesa. enquanto os sabores se revelam. tal como as palavras de beckett. e ficam, gravadas em forma de memória. nossa. para experimentar. e ler. e conversar. está feito.

Sem comentários: