25/10/14

... sem memória ...

... não tenho memórias dos sabores do alentejo. fui um descobridor tardio. talvez por causa do calor de que não gosto. ou talvez porque subi mais do que desci no país. por isso, todos os sabores que tenho são sempre memórias preciosas e muito precisas. exactas no tempero e na forma. e esta é uma delas. mas esta não é uma sopa alentejana nem nada. é minha. é dos poucos sabores que verdadeiramente gosto. não sei explicar a razão, mas é assim. faço-a por isso. porque verdadeiramente gosto deste sabor. e não tenho explicação para isso...

"... somos todos, ou quase todos, os pupilos daquela ciência do século dezanove que nega a existência de tudo quanto não se sabe medir ou explicar. o que não explicamos nem por isso deixa de existir, mas certamente recebe a nossa bênção; não aprendemos o que não explicamos e assim o mundo, na sua maior parte, fica abandonado às crianças, aos anormais, aos imbecis e aos místicos, todos eles muito mais interessado na existência das coisas do que pela razão de ser dessas mesmas coisas. se tantas coisas velhas e adoráveis foram relegadas para o sótão do mundo é porque não queremos que elas continuem perto de nós, e, contudo, não ousamos deitá-las fora."

o inverno do nosso descontentamento, steinbeck


sopa esquecida
60 minutos
ingredientes (2 px)
1 cenoura grande
1 cebola média
3 tomates maduros
2 batatas médias
2 alhos 
1 ovo
salsa/coentros

receita: por camadas (e por esta ordem), numa panela coloque, um fio de azeite, a cebola cortada aos cubos muito pequenos, o tomate cortado aos cubos médios, a batata cortada em cubos pequenos e a cenoura cortada em cubos pequenos e os alhos picados finamente. coloque um dedal de vinho branco. deixe refogar por 5 minutos e junte água. deixe ferver a água e junte sal. deixe cozer em lume lento durante 30 a 45 minutos mexendo de tempos a tempos. sirva quente.
dica: se gostar, faça um ovo escalfado no final, junte salsa ou coentros picados e sirva.

... eu sei, esta sopa não tem nada que saber. mas tem o sabor. não sei explicar porque nada me liga a esta memória. mas é um sabor difícil de entender. sem explicação. como devem ser algumas coisas. é talvez por isso que gosto tanto e a faço tão pouco vezes. fico confrontado com esta dúvida. na ciência, na explicação das coisas do mundo. e talvez por isso tenha escolhido um excerto de steinbeck também. volto vezes sem conta a este livro. devo ter lido tantos excertos que acabei por ler o livro todo. mas não lhe conheço a história. porque foram sempre assim, retirados do contexto. nunca o li de uma ponta a outra. não sei a razão. raramente faço isso com livros. acho que nenhum. só com este. sem explicação possível para tal. não o quero ler do princípio ao fim. sei que não me faria sentido porque dele sempre tirei sentidos para além do que deve ter. deve ser isso e a sopa que mostram que não entenderei nunca o mundo. nem que seja o meu. que já é entender muito...


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