31/01/15

... sabor impossível ...

... li, reli. procurei. é impossível. talha, azeda, não ganha consistência. não é bom. depois encontrei uma receita de um dos melhores restaurantes do mundo. e fazia vinte anos que torga tinha morrido. e lembrei-me que seria um bom sabor para terras de detrás dos montes. um sabor a terra, a trabalho, a aridez. um sabor que define. seria muito bom criar isso. ou ir até lá e ver o sabor das coisas quando estão secas. quando as gentes só habitam a memória e nada mais. e um sabor pode ser tudo isso. disseram-me que era impossível. como sempre, não acreditei. tentei. e consegui. da uva para um sabor único. guardado. para guardar. para fechar uma qualquer refeição ou repasto. com sabor a terra. e a delícia. somente isso.

«chuva. bátegas de água que parecem cargas de cavalaria. quem se arrisca a pôr o pé fora da porta, atravessa a rua com a velocidade dos relâmpagos. do lado de dentro das casas, dos automóveis e dos eléctricos, a humanidade separa-se da natureza por vidraças...»
miguel torga




curd de uva e moscatel
ingredientes
6 ovos
500g de uvas
2 a 3 cálices de vinho moscatel
500g de açúcar
130g de manteiga
1 anis estrelado ou
1 pau de canela

receita: comece por lavar as uvas e cortar ao meio para retirar as grainhas. coloque, depois, numa panela as uvas e o moscatel e levante fervura. retire. desfaça com varinha mágica. coloque depois no tacho as uvas trituradas, o açúcar, a manteiga e o anis estrelado. deixe ferver durante 2 a 3 minutos. noutro recipiente coloque os 6 ovos bata bem até ficarem bem ligados. depois de fervida a base das uvas com os outros ingredientes passe por uma peneira para tirar qualquer resíduo. junte o preparado aos ovos ainda quente vertendo em fio e mexendo sempre. volte a colocar tudo ao lume brando até engrossar. deixe arrefecer e sirva ou guarde em frasco.

... há sabores que nos resgatam a memória. mesmo quando dizem que são impossíveis de criar. talvez por isso, porque nos esquecemos que a natureza nos dá todos os elementos necessários para "entender" tudo o resto. porque nos afastamos da lógica simples das coisas pelas vidraças que criamos. como se entre o homem e a natureza houvesse um espaço sem vida. mas há. e os sabores, como este, relembram isso. que precisamos saber a cor da terra, o cheiro do campo, o que se sente quando uma brisa nos toca o rosto no meio de um qualquer montado para perceber que impossível é só um estado de alma entre dois momentos. ou sabores...





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