01/02/15

... desencontrar a beleza ...


... não há beleza na cozinha. há beleza na criação. no criar. no gosto que colocamos em servir outros. a cozinha é visceral. despida de lugares de encanto. o encanto está no encontro. das coisas. das cores. dos sabores. dos cheiros. é preciso uma constante inocência no acto de cozinhar. um constante "não saber". descobri isso por observação. há tudo menos certezas. e quem se julga certo, ou com saber adquirido, esquece o lugar de espanto. e com isso, o que os outros podem trazer de novo. mesmo que seja só regressar ao simples. a arrogância, na cozinha, é o lugar do erro. mas partilha-se pouco. muito pouco. somos todos donos de pequenos segredos que não contamos uns aos outros por medo ou desventuras passadas. ou quando contamos não dizemos como fazemos as coisas. só o registo do sabor passa. dizer como se faz é muito mais difícil do que dizer que a algo falta alguma coisa ou que já fizemos muito melhor. é como em tudo, na vida. no trabalho. os redutos, na cozinha, são sempre os lugares dos segredos e daqueles que se acham estrelas ou acham que correr para um prémio é mais importante do que colocar verdadeiro encanto partilhado na mesa de alguém. tudo é de uma brutalidade aguda, na cozinha. já o escrevi aqui um dia. muito mais quando não se percebe que o que fazemos já alguém o fez. e partilhar o que se sabe não é um acto de bajulação ou falsa empatia. é sim, a essência que nos permite evoluir. ser melhores. custa, porque perdemos parte do que sabemos. mas obriga sempre a ir descobrir novas coisas. a dar um passo em frente. deixar o que sabemos é tão importante como descobrir o que nos falta saber. aquele sabor. aquela beleza para entregar aos outros. cozinhar é uma procura constante pelo desconhecido. no meio da brutalidade. da terra queimada. dos outros que se acham sempre excepcionais em qualquer coisa. é atravessar isso e deixar muito mais do que se se leva. nem que seja só essa, que seja essa a nossa marca. porque é sempre preciso procurar o sabor porque a beleza é sempre para os outros que não vemos...



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