13/11/15

...dias diferentes na cozinha ...


«... diz-se a um cego, estás livre, abre-se-lhe a porta que o separava do mundo, vai, estás livre, tornamos a dizer-lhe, e ele não vai, ficou ali parado no meio da rua, ele e os outros, estão assustados, não sabem para onde ir, é que não há comparação entre viver num labirinto racional, como é, por definição um manicómio, e aventurar-se, sem mão de guia nem trela de cão, no labirinto dementado da cidade, onde a memória para nada servirá, pois apenas será capaz de mostrar a imagem dos lugares e não os caminhos para lá chegar...»
josé saramago

... temos sardinha. a "na telha" parecia soar a conhecimento. o escabeche, a sabor. mas o tempo de aprender não é vestido para servir a rotina. é tempo para experimentar. parecia simples. o pimento fica sempre bem. a batata frita. a couve salteada. dar forma a algo bonito. isso e o desbravar de um desafio: rissóis. fez-se tudo. na telha, em camadas e em rissóis. o mesmo produto. no final, importou experimentar. não o resultado mas o que podia ter ficado melhor. com isso sabemos que aprendemos. poucas vezes existem estas oportunidades. se falhamos é sinal que estamos a tentar. e depois, fecha-se o dia. mais uma semana. mais um mês. mais um tempo, não importa. nada se arruma. começa outro tempo. faz-se uma compra ou outra. é o tempo de cozinhar para quem se ama. para os próximos. aqueles que são a pele dos dias. da vida. em pura liberdade. em pura dedicação. não se pára. aprende-se. experimenta-se. faz-se tudo. de tudo. cozinha-se o que se gosta. como se gosta. numa dança das mãos e dos gestos. sem técnica. apenas dedicação. sem tábuas ou tipos de corte. sem nada disso. só para o prazer. para roubar mais tempo ao tempo que é tão pouco para cozinhar assim. há nisto toda a beleza e salvação do mundo e de nós mesmos. é preciso dizer e ver isso. sentir isso. isso dá alma ao que se faz. depois, profissionalmente ou simplesmente para os outros que não são aqueles que vivem em nós. na cozinha, nesta, cozinhamos sem querer errar muito mais do que na outra. não permitimos a nós mesmos o erro ou o remendo. queremos saber mais, por isso, para isso. não para cozinhar melhor. para dar mais. transferimos isso para os sabores. e para as mãos. treinamos. fechamos a alma ao correr dos dias e nesse tempo da cozinha que é uma imensa conversa enamorada, sabemos que nunca conseguiremos repetir nada daquilo noutro contexto. aquela é, verdadeiramente a nossa cozinha. quem somos, num prato. num sabor. porque é assim que dizemos tudo. que cuidamos. de tempos a tempos conseguimos isso no lado profissional. porque nos dão liberdade para tal. porque nos deixam mover as mãos em criação sem medo ou julgamento. é muito raro. nunca me aconteceu. cozinhar para aqueles que são a nossa vida é isso mesmo. dar-lhes vida. num sabor...


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