14/11/15

... encontrar caminho(s) ...


«...mergulho às vezes as mãos na minha esperança, mas retiro-as ao cabo de algum tempo, antes que se transformem em raízes. destapo uma vez mais o ralo. assim corre a amizade - penso, olhando o redemoinho - assim correm os afectos, que, depois de encherem a bacia onde a custo nos lavamos sem os fazermos transbordar, se escoam sem regresso em direcção ao caos...»
luis miguel nava

... ao fim deste tempo devia ter encontrado algo mais do que só um caminho para a "minha" cozinha. cercado de gente com certezas eu só tenho dúvidas e muitas questões por responder. a certeza do sabor desvaneceu-se no sentido do tempo. que sabor em que tempo. ou cada um no seu tempo. ou como o encontrar no meio de tanta coisa perdida. ou de desencontros entre quem degusta e quem deseja cozinhar com sabores antigos. suspendo tudo perante a beleza. qualquer pessoa o faz. é a essência do belo e do bom, como diria umberto eco. a suspensão. o parar perante isso. sei muito mais do que sabia. sei cozinhar muito mais do que alguma vez pensei ser possível. apaixonei-me pela doçaria e revi a forma como a cozinha pode ser em diferentes momentos, tempos e modos. falta encontrar-me no meio de tudo isto. no meio de um reino de gente endeusada ou de almas enlouquecidas. talvez porque não tenho ideia que saiba fazer o que quer que seja verdadeiramente bem. sempre foi assim, toda a vida. fazer um pouco de tudo e nada excepcionalmente. desgasta isto. retira as forças. por muito que se procure uma salvação não se encontra porque em nada consigo sossegar a alma inquieta. o caos de saber um pouco de tudo e nada ser meu. gosto muito de cozinhar. faz parte de mim. cozinhar e cozinhar bem. mas gostava de encontrar esse lugar, essa coisa, essa marca que fosse minha e memória para os outros. é uma busca incessante. sei que a base da cozinha feita memória é a minha forma de cozinhar. dela faço essência, razão e lógica. da raiz de tudo, sem tradições artificiais ou colagens efémeras. sei isso. o que fazer com isso para determinar algo de excepcional é que falta. sempre me faltou. é nessa busca desgastante e constante em que vivo. conseguir é tentar primeiro. passo a passo talvez um dia consiga. ou fique só o caminho e nada mais. um dia li: aqui fica aquele de quem ninguém contará a história. talvez seja essa a marca da minha cozinha. ser de todos menos a feita pelas minhas mãos. que por elas corram todas as outras que antes fizeram. em respeito. quem sabe. será só isso...

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