16/11/15

... levar a sério ...


«... tento um regresso aos confins da memória para compreender o que se vai passar
volto ao meu corpo introduzo-me nele até ao sangue
cansado pelos inesperados desastres da travessia
ah quantos quartos vazios revisitei
quantas cidades envenenadas se coalharam no sangue
que pena ter ficado adulto para sempre...»
al berto

... nenhum lugar, como a cozinha, deve ser levado tanto a sério. sem julgamentos ou determinações à priori que fazem turvar a razão e a lógica. tendemos todos a julgar tudo depressa demais. mais quando algo não corre como devia. não há espaço nenhum para a tolerância na cozinha. parece que a ilusão de uma confiança tem mais valor que a aprendizagem por um erro cometido por um acto de descoberta. deixamos tudo para esse movimento, essa forma de dirigir a cozinha. queremos chefes mais do que provocadores de imaginação. alguém que dirige é sempre melhor acolhido do quem quem tem imensas dúvidas. precisamos do conforto dessas certezas. nunca perguntamos para que serve qualquer coisa. dizemos sempre, antes de saber tudo, que está bom ou mau. que está belo ou não. sem perceber nada que não seja o imediato. perco-me em tudo isto. tendo a ter uma necessidade crescente de um erro de alma cada vez maior: entender. dar ao meu entendimento do mundo da cozinha uma explicação válida antes de qualquer julgamento. e de experimentar. de não aceitar só a certeza. de a questionar depois de a experimentar. de voltar a errar mais uma vez e outra, e outra. para saber como as coisas funcionam. só assim aprendi o que já sei. porque pensei porque as coisas não correram bem. porque é que um bolo não cresceu ou um molho não ligou. ou o sabor não ficou como desejava. ou algo não resultou como esperado. isto é levar as coisas um pouco mais a sério. é por isso que me revisto de silêncio agora. que não faço nada que seja meu. que não peço nada. que não quero mais nada que não seja o passar do tempo na cozinha. só isso, passar. sem darem por mim. sem força ou brilho. só estar e ver passar tudo. todos os que sabem mais. todos os que fazem mais. melhor. porque o meu lugar de imaginação para a cozinha não é feito nesta direcção. só isso. nada mais...

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