21/12/15

... cozinhar é fazer uma travessia ...


«... intento ser, à minha maneira, um estóico prático, mas a indiferença como condição de felicidade nunca teve lugar na minha vida, e se é certo que procuro obstinadamente o sossego de espírito, certo é também que não me libertei nem pretendo libertar-me das paixões. trato de habituar-me sem excessivo dramatismo à ideia de que o corpo não é só finível, como em certo modo é já, em cada momento, finito...»
josé saramago

... penso neste tempo como uma travessia. qualquer tempo. este também. cozinhar é das coisas que mais gosto de fazer. aprendi. aprendi a conseguir fazer melhor. a cozinhar melhor. aprendi que quero que nada do que faça para outro alguém não seja sempre o melhor que sei fazer. aprendi que a cozinha é um lugar de imaginação. coloquei de lado a palavra que nunca usei. a paixão. coloquei em seu lugar a dedicação. vem do amor, dizem. a dedicação. percebi que se aprende errando. experimentando. que as nossas certezas valem de muito pouco e que os lugares seguros nos fazem parar. cozinhar deve ser um lugar de deslumbre. fiz esse caminho. faço-o todos os dias em que cozinho. guardei para alguns espaços e tempos aquilo que sei e quero fazer com a minha cozinha. foi uma viagem. uma travessia. não sei se uma mudança. não sei se uma ligação. sei que o que gostava de fazer tornou-se certeza. sei que percebo e entendo a cozinha. sei que a minha alma se cruza agora com aromas, sabores e saberes. sei que tenho sempre que valorizar o saber ouvir e ver fazer quem sabe. guardar tudo como tesouros. perceber que a moda é sempre algo imensamente estúpido e como tal, num tempo sempre redondo, vamos de um lado para outro e é preciso saber e ver tudo. com admiração. com vontade de perceber e de conhecer. ser cozinheiro é isso. porque não cozinhamos para nós. nem o que gostamos. cozinhamos sempre para os outros. para muitos outros. tantos que não podemos agradar a tantos por cada um ser uma memória em construção. antes de apelar, pelo paladar, a memórias que não conhecemos sejamos construtores de novas vivências. que a cozinha seja um prazer. sem medo da palavra. sem medo do sabor. este tempo foi uma travessia. dentro e fora de mim. as mãos, o que cozinho e como cozinho agora, são um espelho disso. sem certezas nenhumas. nem do tempo. pois esse será sempre futuro. a cozinha assim o exige. assim o pede. porque é vida. sempre. vida...


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