24/02/16

... do talento de cozinhar ...


«... será que a mente e o corpo são duas coisas diferentes ou apenas uma? se não são a mesma coisa, será que a mente e o corpo são feitas de duas substâncias diferentes ou apenas de uma? se há duas substâncias, será que a substância da mente acontece primeiro e cauda a existência do corpo e do cérebro, ou será que é a substância do corpo que vem primeiro e que o cérebro que dela faz parte causa a mente?...»
antónio damásio

... lia recentemente uma entrevista do chefe silva que falava sobre as modernidades da cozinha portuguesa. referia que a cozinha, como a língua, a cultura ou a arte não é estática. teve e terá sempre evoluções. são cimentadas no tempo, no tempo lento das coisas que mudam com fundamento. acelerar isso é um erro. há, como em tudo, mudança. essa mudança não é feita por via da força da criatividade mas pelo devir. a razão histórica, o fluir das coisas e do palato do homem que espera, no seu tempo, degustar coisas de forma diferente. ou as mesmas coisas, mas no seu tempo. o corpo estranha quando assim não é. há qualquer desconcerto sempre que exageramos numa coisa ou na outra na cozinha. roubar ao futuro o fogo dos deuses é normal e naturalmente um contínuo desejo de quem cozinha. mas o limite da realidade do tempo julga sempre quem tem essa ousadia esquecendo a lógica histórica do passado que lhe deu origem. não há futuro sem passado e na cozinha isso é determinante para tudo o que envolve o sabor. cozinhar precisa sempre do saber para ajudar o processo criativo. seja por via de uma vivência, uma memória, um conhecimento adquirido. perceber isto é perceber que cozinhar é sempre um risco. de falhar a linha do tempo ou de criar memória como marco temporal na vida de alguém. qualquer um destes elementos confere ao cozinheiro um poder extraordinário. ser tempo. por via do sabor. da comida. do repasto oferecido. colocando-se na vida de um outro alguém que nunca conhecerá. há nisto toda a beleza do mundo... 

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