12/02/16

... d'outros modos da cozinha ...


«... o senhor valery era perfeccionista. só tocava nas coisas que estavam à sua esquerda com a mão esquerda, e nas coisas que estavam à sua direita com a mão direita. ele dizia: - o mundo tem dois lados: o direito e o esquerdo, tal com o corpo; e o erro surge quando alguém toca o lado direito do mundo com o lado esquerdo do corpo, ou vice-versa...»
gonçalo m. tavares

... cozinhar é um exercício de esforço. constante. é um lugar de procura. constante. contínua. continuadamente. às vezes, preciso fazer um processo inverso para perceber as coisas. para (re)criar sabores. comecei sempre por esse processo. regressar. chamo-lhe, regressar. vou às raízes dos processos. cozinhar sobre a brasa é um deles. a lenha e o lume é sempre um regressar à origem das coisas de cozinha. onde tudo começou. todos sabemos que é nesta técnica que reside a maior sabedoria. o tempo é diferente. o modo, também. acima de tudo, o modo de fazer as coisas. a atenção precisa. não há instrumentos que nos valham, nem formas tecnológicas de controlar o que acontece. tudo é imprevisto. excepto o saber fazer. esse tal modo de cozinhar que nos ensina em cada instante. parte é recuperar o instinto e a outra é só observação. nada há de mais complexo e exigente do que isto. construir o conhecimento que quero, como cozinheiro, passa por aqui. nunca pelo contrário. começa por fazer sempre este regresso ao básico. não de simples mas de basilar. de fundamento da minha cozinha. a que assino. dar esse sentido é não tentar explorar a imaginação antes do saber. com o saber, o velho e em desuso "conhecimento das coisas do mundo", alarga a imaginação. tende a dar-se sustento. alimento da alma. suporte. o resto, a tal criação, nasce disso. sem isso, é a ilusão do momento, da coisa que pode ou não voltar a sair bem. é por isso que regressar é preciso. e na cozinha moderna portuguesa é urgente. porque se pode mascarar tudo de tradicional ou típico e nada ficar para o futuro que seja genuinamente a "nossa" cozinha. penso nisto. tal como penso no processo, na forma, no modo de recriar tudo vestindo tudo de novas roupas, novos deslumbres, novos encantos. o "hoje" constante exige isso de quem cozinha. e ainda bem. é disso que magia de tudo isto vive...

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