29/07/14

... das coisas e da mesa ...

... aprendemos a perder o hábito do ritual da mesa. de estar à mesa. de conversar à mesa. a mesa torna-se um local de espera. a espera é o tempo que passa mais devagar. que é preciso encher com palavras. com coisas ditas para terem o sentido do tempo que podemos gastar somente nisso. a saborear as palavras dos outros. no tempo em que as coisas eram assim.

... "dispõe a mesa e compõe a superfície: duas toalhas individuais, sobre elas os pratos; copos em túlipa, finos, de cristal; talheres. desconhecia tudo o que possuía: nunca abrira gavetas; a mulher tratava de tudo: dá-me as meias; onde está a camisa? olha, quero levar hoje o pulôver verde. a casa: o território de que ela era a proprietária absoluta."...

no interior da tua ausência, baptista-bastos


maçã da ausência
...ingredientes (2 px)
10 minutos
duas maçãs
canela
mel
nozes
limão/sumo

receita: corte as maçãs em pequenas lascas finas. disponha umas sobre as outras passando por sumo de limão. polvilhe com canela. sobreponha com um fio de mel. acompanhe com nozes partidas em pedaços bruscos. 
dica: se puder e estiver tempo quente coloque as maçãs no frigorífico algum tempo antes para que fiquem frescas e sirva imediatamente.

... sempre pensei no que podia saber cada refeição deste livro. baptista-bastos tem esse condão. de nos levar ao interior da ausência. do que foi e deixou de ser. porque a vida é feita de rituais. de hábitos. e lembrei-me deste sabor. é como se fosse o outono que chega à boca em forma agridoce. em forma de sabores que se misturam mas deixam sempre, no final, essa sensação de não ter ficado quase nada. ficou uma ausência. foi isso. e imaginei isto. para este livro. que seria sempre esse sabor a qualquer coisa que falta. a um desejo de regresso. a uma espera. como se tal fosse possível. porque há um sabor para cada coisa. mesmo quando essa coisa é o interior da ausência.

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