06/08/14

... afinal sempre é verão ...

... há sabores que são, para mim, tão antigos como eu. ou seja, correm o tempo comigo. ao meu lado. sempre presentes em mim. um deles é o dos "ovos verdes". mas, ao longo da vida, comi muitos. gosto. são um verdadeiro petisco em tempo quente. ou num fim de tarde. ou mesmo antes do jantar. um. roubado do prato que está no centro da mesa. mas nenhum sabe aos que a minha mãe faz. já tentei por tudo replicar aquele sabor. não consigo nem nunca conseguirei. há coisas, principalmente nesta coisa do cozinhar, que são só de algumas pessoas. de algumas mãos. e os "ovos verdes" são os dela. serão sempre os dela. porque há coisas que são assim. estão para além da razão e do tempo. são das pessoas para que delas nos recordemos sempre. e para acompanhar esta conversa, recordo, ouvido um dia no trindade. em voz alta. o poeta. e o ovo...

porquê não se sabe ainda 

mas ainda aos que amam o poeta porque ele lhes dá o

      livro do não trabalho 
e diz cor de rosa diante de toda a gente 
mas lhe lêem o livro só nas férias 
(entre trabalho e trabalho) 
e à noite vão a casas dizer cor de rosa em segredo 
a esses e ainda 
aos que estudaram o problema tão a fundo 
que saíram pelo outro lado 
e armaram um quintal novo para as galinhas do poeta
      porem ovos 
e disseram ao poeta estas são as nossas galinhas que 
     tu nos deste 
se elas não põem os ovos que amamos 
matamos-te 
e então o poeta vai e mata ele as galinhas 
as suas belas galinhas de ovos de oiro 
porque se transformaram em malinhas torpes 
em tristes bichas operárias que cheiram a coelho

a esses e ainda 

aos realmente explorados 

aos realmente montes de trabalho 
ou nem isso só rios 
só folhas na árvore cheia do método árvore

fidelidade, cesariny



ovos verdes mentirosos
20 minutos
ingredientes (5 ovos "verdes")
6 ovos frescos
salsa fresca
farinheira
alho
sal
pimenta rosa
noz moscada
alecrim
farinha de milho

receita: coza os ovos. parta em metades. separe a gema da clara. coloque a gema num recipiente. salteie, com um fio fino de azeite, a farinheira (qb) desfeita em pedaços muito pequenos. quando estiver bem salteada e desfeita coloque junto com as gemas e desfaça tudo com um garfo. junte o alho picado, a salsa fresca, a pimenta, a noz moscada e o alecrim. tudo em doses pequenas e a gosto. deite uma pitada de sal. misture tudo. volte a colocar a gema no centro da clara previamente cortada. tente secar tudo com um pano ou papel de cozinha. passe por ovo cru e por farinha de milho panando o ovo "verde". frite em lume médio. sirva à temperatura ambiente.
dica: com uma salada bem temperada e um vinho branco dá uma refeição ligeira de excelente qualidade.

... e quando não se consegue, por falta de mestria ou simplesmente é assim a natureza das coisas, imitar, faz-se outra coisa. recria-se. porque há mesmo coisas que pertencem a certas mãos. gostava um dia de encontrar a minha receita. aquela que dizem: não há arroz doce como o da tia. ou ovos verdes, como os da minha mãe. a eternidade dos outros em nós é feita destas pequenas coisas. quer o desejemos, quer não. um dia talvez encontre essa receita. muitas vezes não é a receita. é a vida que nela é colocada. a dedicação. a ternura. a atenção e o cuidado. há quem lhe chame mimo. a verdade é que somos feitos destas coisas. e eu, de muitos ovos verdes, graças aos deuses. e à minha mãe...