12/08/14

... provar o sabor da terra ...

... das poucas coisas que sempre me fizeram falta foi da ideia da mesa como espaço para uma tertúlia de ideias. cresci com isso. os meus pais sempre trocaram ideias entre si. sempre vi, a casa deles, cheia de conversas. umas políticas. outras filosóficas. outras daquelas sem solução mas eternas na razão e na lógica. e cresci com essa ideia. que as conversas seriam todas assim. sobre as coisas que movem o mundo. percebi, para minha tristeza ainda presente e constante, que muitas vezes, se resumem a falar dos outros. e eu, sentado em silêncio quando assim é, olho para a mesa e para o que nela repousa. percebi que isso era a única coisa na vida que não sabia fazer. falar dos outros inutilmente. acho e sempre acharei isso. gosto e tenho sempre em mim uma imensa saudade das conversas sobre as coisas do mundo. as coisas sem resposta. as dúvidas e as lógicas. e foi numa dessas conversas que relembrei os peixes. os outros peixes. os que ouviram o sermão.

..."pudera-se fazer problema; onde há mais pescadores e mais modos e traças de pescar, se no mar ou na terra? e é certo que na terra. não quero discorrer por eles, ainda que fora grande consolação para os peixes; baste fazer a comparação com a cana, pois é o instrumento do nosso caso. no mar, pescam as canas, na terra, as varas, (e tanta sorte de varas); pescam as ginetas, pescam as bengalas, pescam os bastões e até os ceptros pescam, e pescam mais que todos, porque pescam cidades e reinos inteiros. pois é possível que, pescando os homens cousas de tanto peso, lhes não trema a mão e o braço?!"...

sermão aos peixes, santo antónio


peixinhos (da horta) revoltados
25 minutos
ingredientes (2 px)
150 gramas de feijão verde
2 ovos
100 gramas de farinha (peneirada)
amêndoa laminada
orégão
alho picado
leite
sal
pimenta
óleo

receita: coza o feijão verde, cortado em fatias finas, até ficar tenro. deixe arrefecer e reserve. num recipiente junte os dois ovos, a farinha e misture até ter um creme espesso. junte um pouco de leite frio se estiver grosso demais. junte uma pitada de sal e pimenta, outra de orégãos e uma de alho picado. misture. junte, no fim, algumas amêndoas laminadas.  misture tudo. com uma colher passe o feijão verde pelo creme e frite em óleo médio até alourar. sirva morno ou frio.
dica: pode juntar um pouco de salsa fresca para um sabor mais intenso.

... foi numa conversa sobre qualquer coisa sobre o mundo que comi, pela primeira vez, os chamados "peixinhos da horta". foi um sabor estranho. sabia-me à dureza da terra. nunca percebi porque assim é. sempre que provo este petisco sinto isso. uma rudeza no sabor que me reporta ao trabalho duro do campo. sou um homem da cidade. não conheço tal coisa. mas este é um sabor único. imaginado. e é parte disso que acho mágico no simples acto de provar uma iguaria. sentimos, imaginados, os saberes e vidas de outros e de outros tempos. e por isso sinto essa necessidade imensa de reinventar estas coisas. talvez com o desejo que venha um bela conversa sobre as coisas por pensar. que a saudade chama. ou simplesmente para poder saber o sabor de coisas não vividas. talvez seja isso. ou nada disto. ou isto tudo...

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