19/11/14

... desta loiça, deste tempo ...

P

"aprendi a não tentar convencer ninguém. o trabalho de convencer é uma falta de respeito, é uma tentativa de colonização do outro."
josé saramago

... esqueci-me do título no gráfico. de preços de produtos. no "exame" final. daquelas coisas que escapam. mas que recordam outras. recordam o negócio. gosto sempre de ouvir o professor dizer para a turma: a cozinha e um restaurante é um negócio. eu não levo para o lado do mercado. levo para o lado da negação do ócio. porque o é. a negação do descanso. e tem sido. esta aventura tem sido isso mesmo. uma profunda negação do ócio que retira todo o tempo e toda a forma de ver o mundo canalizando-a para esta coisa do que comemos e como comemos. e kierkegaard que me trouxe até aqui, acompanha-me. o banquete. do tempo em que a conversa era feita no reino da mesa. e agora, nem conversa, nem reino. resta a mesa. e como a transformar num lugar de prazer. sempre gostei muito desta palavra de que tantos fogem. o prazer. é que é mesmo disso que se trata quando falamos de descobrir novas formas de criar neste tempo das coisas pré-fabricadas. redescobrir o prazer em detrimento do gosto. do gosto por ser "sem sabor". e o tempo de hoje, nisso ajuda. é ver o correr dos dias e das pessoas. o que comem e como comem. o que comemos e como nos sabe. há um "efeito normalização" e um "efeito plasticização". o igual, torna o paladar, como todos os restantes sentidos, adormecidos e habituados ao mesmo. o constante. o corrente. o ordinário. e por muito que isso seja fonte de segurança dentro do que sei certamente que gosto e não gosto, acompanha, também, o correr da vida de tantos. igual. certa. constante, habitual. o mito do eterno retorno ou a legitimidade da repetição histórica permitem a compreensão do mundo, eu sei, mas são sempre, também, as rupturas que trazem as virtudes ou a falta delas, nos dias que passam. e hoje, mais do que nunca, cozinhar tem que se revelar uma experiência. mais do que um acto. uma experiência. porque os produtos estão mais acessíveis. mas o tempo, esse senhor imenso, nega o acesso a esse lugar de criação. ao tempo do ócio. que é condição fundamental para pensar que os sabores que perdemos são aqueles que requeriam, mais do que ingredientes fabulosos, o tempo para os confeccionar. o tempo de dedicação à coisa. envolto em conversa. misturado com os cheiros das coisas. e é essa cozinha que procuro. que com uma colherada de qualquer repasto, aquela memória antiga, aquele lugar, esse tempo possa vir a ser sentido como vivo. para reavivar a alma. e as forças. e os dias feitos de recordações. talvez lá chegue. um dia.

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