22/11/14

... guardar, contando ...


... jean baptiste grenouille. o nome do anti-herói do livro que li, há uns bons anos, numa viagem entre o porto e lisboa de comboio. foi o livro que li em menor espaço de tempo. depois vi o filme. não gostei do filme. só gostei de uma coisa. do fabuloso papel e interpretação de dustin hoffman. aquela "encarnação" parece fácil mas não é. é um imenso trabalho de actor. e jean baptiste grenouille tem o mérito de ter sido criado pela mão da fantasia. o livro tem isso de magistral, não o sendo enquanto obra. criou esta criatura. deu-lhe vida pela mão dessa capacidade de se ser fantástico. e ontem, liguei tanta coisa em três horas e umas outras de aprendizagens já feitas em torno desta coisa da cozinha. falava um professor na memória. na importância da memória. e eu que dediquei tanto tempo da minha vida em torno do pensamento sobre a mesma revi-me na frase: temos que saber de onde viemos para saber para onde vamos. e na cozinha isso é fabuloso. porque a conversa tem a beleza de todas as coisa quando é feita sem preconceitos. o chef que orientava umas boas horas de verdadeiras aprendizagens falava do tempo em que as sopas ficavam horas a "apurar". ou mesmo os pratos principais. e já escrevi isso aqui. esse tempo em que as coisas estavam a ganhar vida. para serem servidas. degustadas pelos comensais em momentos de partilha da mesa. e não foi assim há tanto tempo. vinte. trinta anos. e ainda se faz. menos, muito menos, mas ainda se faz. estou a recordar uma sopa de castanha que vi fazer e comi para os lados das terras do demo que levou vinte e quatro horas a fazer. e penso noutra conversa tida com outro chef. de uma coisa lida, que também já aqui registei: um cheiro sentido na cozinha é um sabor que se perde. e penso neste movimento da procura pelo sabor que "expluda" na boca. da pureza do sabor das coisas. e cruzo tudo isto com umas apresentações feitas por colegas de aventura. um dos mestre desta "cozinha contemporânea" citado por um desses colegas de aventura disse: "mother nature is the true artist, and the chef is the technician". este regresso às origens da humanidade é tão ou mais curioso como a ousadia do estar horas à espera de "apurar" um sabor. e perdi jean baptiste grenouille por um bocadinho para o voltar a encontrar aqui na minha linha de pensamento. porque uma coisa de muito interessante aprendi ontem com o chef que até agora mais me ensinou sobre isto de olhar, ver e pensar a cozinha. tal como esta personagem fantasiada que procurava a essência do perfume único (mesmo por meios inquietantemente proibidos) também eu acho fabuloso esse lugar do sabor único que cria memória. é aqui que reside a essência da coisa mágica a que chamamos: cozinhar. se a ousadia de criar um sabor misturando todos os outros de forma a criar um lugar de memória, também a procura da pureza do sabor dos alimentos o pode ser. é tudo uma ousadia plena. desafiar a mãe natureza. ir lá buscar a inspiração. perceber que o sermos humanos nos dá a capacidade de juntar as coisas dadas e recriar a obra-prima. e quando um conjunto de aulas nos faz pensar assim, então sabemos que, mesmo que o mundo inteiro pareça ser o mais imperfeito dos lugares teremos sempre isto para nos suspender no tempo e no modo de saber e saborear as coisas...

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