22/11/14

... um arroz, doce ...

... a minha mãe fazia o único arroz doce digno desse nome. fazia e faz. fica o arroz naquele ponto especial em que ao trincar ficamos com a sensação de verdadeiramente estar a comer arroz, mas doce. é estranho mas é curioso. e sempre tentei fazer esta iguaria e sempre me saiu mal. até hoje. hoje penso que, não tendo a mestria nem esse segredo, consegui fazer um arroz doce que podia apresentar em qualquer lado. e enquanto o fazia lembrei-me do livro lido nos tempos de estudo na faculdade. chama-se: um prato de arroz doce. é de teixeira de vasconcelos. é uma obra/retrato. isto é, é de lá, sem o sabermos que vem a imagem que temos de um episódio da história de portugal a que vulgarmente chamamos de "patuleia". mas a coisa não bate com o título. porque há no arroz doce qualquer coisa de fofo ou suave que se estranha em comparação com esta coisa da história. e por isso, um excerto me apetece partilhar. sobre esta coisa do fofo. só porque sim:

"... um dos grandes equívocos da segunda metade do século xx foi, sem dúvida alguma, a alcatifa. as alcatifas são, sinteticamente, expansões lanudas de grande monotonia, e vulgaridade. privam os pés de contactar directamente com a dura realidade do soalho, habituando o homem a uma falsa impressão de onde pisa, criando nele o culto fútil e amaricado do «fofinho».

a causa das coisas, miguel esteves cardoso 


arroz doce em tons de branco
45 minutos
ingredientes
250 ml água
600 ml leite
150 gr de arroz
50 gr de manteiga
150 gr de açúcar
pau de canela
sal
limão

receita: num tacho largo coloca-se a água com o pau de canela, raspas de limão e uma pitada de sal. quanto estiver a ferver coloca-se o arroz mexendo para cozer durante cinco a sete minutos. leva-se ao lume, ao mesmo tempo que o arroz coze, noutro tacho o leite e a manteiga que devem ferver. quando a manteiga derreter e ligar com o leite junta-se ao arroz e deixa-se cozer mexendo sempre muito bem. quando o arroz começar a "despegar" do fundo do tacho junta-se o açúcar e envolve-se. retira-se a canela e o limão e coloca-se nem taças. 
dica: decore com canela. pode juntar no preparado um aroma de baunilha para um sabor um pouco diferente e mais "fresco". 

... a verdade é que a banalização das coisas boas retira-lhes o que de único cada uma delas conserva em si mesma. o arroz doce é daquelas sobremesas únicas e que representam, em tantos contexto sociais e literários imagens determinantes do que é a convivência comunitária e história em portugal. pensar o que comemos e como comemos é uma tarefa única. banalizar o que temos de único torna-se destruidor de uma cultura cada vez mais frágil num mundo cada vez mais igual. seja pela sensação do «fofinho» como ironicamente miguel esteves cardoso escrevia nos anos noventa, seja pela memória que apagamos ou conservamos do que é a essência de uma coisa. nenhum outro prato pode ter esta amplitude como o arroz doce. porque, nenhum está tanto no nosso sangue e no nosso corpo como este. e por isso, é nosso imenso dever nunca o tratar mal. porque ele é, na definição de si mesmo, a nossa memória em jeito de sabor... 

Sem comentários: