26/11/14

... lugares de sabores ...


... água, farinha e margarina. o resto é ciência. ou arte. ou as duas coisas juntas. quem ensina centra-se no como e no porquê. quem aprende está suspenso na pergunta: para quê? sempre foi nesta distância que se mede tudo nesta coisa do ensinar e do aprender. é assim na cozinha também. mas há algo de fascinante que se descobre de aula para aula. o criar. seja um corte que não se sabia fazer ou um doce que não se sabia a origem e a forma de o criar. aprender isto é aprender a brutalidade das coisas. e ao estar no meio de um batalhão de gente a cozinhar percebi isso. olhei em volta e percebi o que diziam quando diziam que era preciso "estofo". é quase como uma desordem de guerra. de uma brutalidade plena. mas há nisso toda a beleza das coisas por descobrir. é só um instante. quase como aquele instante em que olhando uma pedra o homem a acha feia. bruta. em bruto. e depois, dela retira algo. cria algo. é visceral. instintivo. de sobrevivência do belo sobre o bruto. a verdade é a beleza. mas a beleza não é a verdade. e da brutalidade de tudo vem essa certeza. porque é feio, tudo, em determinado momento. não há beleza alguma no processo que não seja o encanto escondido do que se revelará. na espera. e pedindo para eu descrever esta aventura disse: cozinhar é a arte da espera pela beleza do lugar dos sabores. não sei se faz sentido. para mim, faz. porque quando aprendo, sentado ou em processo de actividade em bruto, sinto essa necessidade. esperar. e ter calma. saber que as coisas se revelam e criam num tempo certo. que não é preciso acelerar. porque do mais rude os ingredientes, da sua conjugação, nasce sempre algo surpreendente. a surpresa é mesmo isso. o retirar do óbvio algo mais. e quando várias pessoas fazem coisas em conjunto sem ver o final essa noção exacerba-se na lógica e no enganar dos sentidos. parece tudo desligado. suspenso. imperfeito. desastrado. mas no fim, como se fosse possível ser tudo assim, revela-se a perfeição das coisas guardadas em bruto. e sente-se esse sabor rude vencido pela dedicação e pelo trabalho das mãos. vencido na forma. vencido pela beleza em que se torna. suave. amansado. feito. e é isto que estou a aprender e a ver. em cada aula que passa. seja ela qual for...

Sem comentários: