05/11/14

... querer algo ...



... a minha mãe sempre me disse que tinha que canalizar o meu lado criativo para alguma actividade. e ao longo da minha vida, até hoje, defini um princípio. procurar essa coisa. essa actividade. essa distracção. esse espaço ou ocupação para a mente. a verdade é que tentei quase tudo. há coisas que não gosto. outras que tentei, estudei, fiz. ocupei-me delas o tempo necessário para, nelas, ser bom. dominar. conhecer. saber como fazer. acho que isso passou para a vida. inteira. um certo perfeccionismo. um tentar saber tudo sobre e como fazer o que quer que seja. enquanto muita gente se contenta em saber as coisas "pela rama" eu sempre perdi imenso tempo com as perguntas: porque e como? é estranho isto. sou incapaz de me meter num caminho sem tentar saber tudo. o máximo possível. é por isso que nunca fui ou serei bom a nada. perco demasiado tempo a procurar saber tudo que me esqueço de saborear o prazer de fazer as coisas sem esse lado. tenho, para mim, a máxima de que para se conhecer alguma coisa é preciso saber como a conhecer. e isso é a eternidade das coisas. porque nunca se sabe tudo sobre uma coisa. há sempre algo mais para descobrir. e isto na cozinha é de uma beleza imensa. a verdade é que o meu tempo ainda é muito pouco para estudar tudo. mas tenho tirado um pedaço de tempo para o fazer, todos os dias. sento-me e vou ler. nem que seja num intervalo de cinco minutos. e vou procurar. como se comia na idade média. o que se comia. como se confeccionava. e depois dou um salto à rússia ultra moderna para ver o que se saboreia hoje por lá porque este é ainda um lugar que nós, ocidentais, achamos fechados. e na ásia? como se comia há vinte anos? e a revolução espanhola feita no prato. recordo livros lidos, conversas por email com umberto eco ou conversas de café ou pausa com os professores na universidade de letras em coimbra. o pão. a culpa da revolução francesa foi do pão. e há mesmo na história do pão quem diga que é sempre este alimento que está na base das mudanças sociais na história da humanidade. perco-me a tentar saber tudo. gosto imenso da ideia de ginzburg que a idade média, tardia, representou a maior revolução alimentar de que tivemos memória. dos conventos nascem os doces e a carne comida como alimento sem e com pecado. e penso. penso que cada prato que um dia farei tem que ter isto. estes sabores. estas memórias. esta força. quando me pedirem a minha assinatura de um prato eu terei que saber explicar tudo o que lá coloquei e porque o coloquei lá. há nisso, aquele lugar que sempre procurei. onde colocar o que sei e o que posso criar. e isso tem uma beleza infinita. por ser assim, tão simples...

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