02/12/14

... laranjas à antiga ...

... quando eu era miúdo era este o sabor que me prendia nas "festas de aniversário". não sei se era o sabor se a forma. a textura, diferente. era qualquer coisa. o sabor, em si, nada tem de diferente em si mesmo. é tudo de uma simplicidade brilhante. porque é óbvio. porque é claro. limpo. simples. e a surpresa acho que está nisso. naquela acidez inicial que se desfaz na boca. ou só a brincadeira de uma coisa não ser como sempre a provámos. é tão curioso isto. de tão antigo para mim não tinha nada de inovador. mas afinal era. isso sim, surpreendente. é como o poema. a que volto tantas vezes. que anda sempre na minha cabeça. como uma presença que nunca me deixa. como a força das palavras que conserva de forma tão simples mas tão intensa. como o sabor, agreste mas bravo que explode na boca. como o poema. na sua força... 

"minha laranja amarga e doce
meu poema feito de gomos de saudade 
minha pena pesada e leve 
secreta e pura 
minha passagem para o breve 
breve instante da loucura 
minha ousadia, meu galope, minha rédia, 
meu potro doido, minha chama, 
minha réstia de luz intensa, de voz aberta 
minha denúncia do que pensa
do que sente a gente certa..."
ary dos santos, cavalo à solta


laranja antiga
20 minutos
+ 12 horas (solidificação)
ingredientes
4 laranjas doces
4 folhas de gelatina
100 gramas de açúcar

receita: esprema as laranjas. leve o sumo ao lume até ferver. junte o açúcar. mexa até dissolver. junte as folhas de gelatina. reduza o lume e mexa até dissolver. verta o preparado nas metades da laranja e leve ao frio até solidificarem.
dica: sirva com chantilly com aroma de baunilha. 

... nunca soube se gostava deste sabor ou não. é das memórias que ele me traz que gosto. imensamente. porque os sabores são assim. só memória. muito mais do que emoção. e quando vejo a cozinha feita espectáculo penso nisso. na memória. e não na emoção. há na modernidade algo que não gosto. é o imediato. o ser, cada um de nós, alimentado pela procura do espanto imediato. sou um velho do restelo. gosto muito mais da ideia da memória. de criar essa reserva única que nos faz voltar ao que um dia ficou preso em nós, quase como fazendo parte inteira de nós. e é disso que a cozinha deve ser feita. de memória. penso eu...

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