04/12/14

... sabor dos dias ...


"aquele que mais sabe, mais lastima o tempo perdido."
dante, divina comédia

... cada dia que passa agradeço ainda o ter podido viver. mais uma semana. quase no fim. e nela tudo o que faz a vida ser a mais plena das coisas que nos é dada. estive, por instantes, preste a desistir desta viagem. desta aventura. a razão. simples. sentir o desrespeito de quem está para ensinar e apenas se limita a deixar o tempo passar. como se tivesse que ser assim. como se fosse natural que assim fosse. quando é preciso clareza, vontade e rumo. orientação, organização. nada. senti-me perdido. mais do que isso, senti-me desorientado. e senti desrespeito porque quem quer aprender uma coisa nova que é "criar cozinha". e dias depois, agora que tiro cinco minutos para escrever, perceber que aquilo que disse tantas vezes agora vivo-o quase como percurso por fazer. somos feitos de pessoas que passam por nós e de memórias. é com isso que aprendemos. disse isto vezes sem conta. e numa mesa, num almoço cruzado com o tempo que nos fugia dos dedos a todos, atravessámos todos as vidas uns dos outros. a mesa e o repasto eram só desculpa. porque ensinar é isto que sempre defendi e fiz. cruzar as palavras, com os sabores, com a memória, com a dádiva de confiar. soube bem. o sabor e o saber. as palavras. e se em aula se falava de tudo o que agora guardo em mim como aprendizagem, é no que se dá que se conserva a memória dos dias que valem a pena. nem que seja pelas horas. ou só por se falar de cozinha. ou da vida. e nisto somos mais pessoas. gente que passa e fica. ligada. oiço uma música de que falei. penso nas coisas faladas. nos ecos. nas sobras das palavras sem sombra. limpas. guardo-as. aprendi com elas. fiz isto muitas vezes eu também, como alguém. muitos "alguéns" que foram meus alunos. agora é ao contrário. e percebo que estes sabores são imensos. e volto à sala de aula. a uma ficha. criada para que o que se come seja sempre igual. constante. ou melhor, seja possível ser criado por alguém e feito por outro alguém da mesma forma. constante. penso nisto. sempre defendi isso num tempo em que as pessoas são os projectos. ou neste caso, as pessoas são as receitas. dar o que se cria, dar a informação. dizer como se faz é algo que assusta ou é muitas vezes contrário à natureza humana. é curioso isto. porque sei que quem cria, cria sempre. quem faz, só faz. é também da natureza humana que assim seja. ou não. mas não importa. importa o tempo. útil. e a mesa, a conversa, o tempo válido que me manteve no caminho. e nem sabe o bem que me fez. aquele tempo. aquelas vozes. aquelas palavras, a realidade de tudo aquilo. manteve-me. sem saber ninguém que isto era assim. manteve-me. susteve-me. alimentou-me. para continuar... 


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