18/02/15

... deslumbre do sabor ...


... "i have got to find the river". dizem que se deve procurar. ou talvez nunca ninguém me tenha dito e por isso eu procure sempre. em modo contínuo. uma procura incessante. desgastante. cozinhar é uma procura. quem disser o contrário não está a falar a verdade. é tudo fugaz. fazer e comer. só a memória fica. raramente fica mais alguma coisa. só a memória. de um sabor. só isto. e não há nada de mais importante do que isso. aquela memória, daquele sabor. e andamos deslumbrados pela cozinha feita espectáculo, feita transcendência, feita fusão ou que ultrapassa todos os limites e esquecemos isso. talvez seja porque toda a minha vida procurei. não sei ainda o quê. sinceramente, não sei mesmo. mas procuro. e vou continuar a procurar. não sei o quê. é estranho isso. procurar, qualquer coisa sem se saber o que é. mas se, ao longo da vida, rompi muitos impossíveis com o custo pessoal que isso me foi trazendo, é na cozinha que encontro esse rio. aquele da música que ouvi vezes sem conta quanto era adolescente. talvez seja isso que procure na cozinha, agora que a ela estou ligado. um rio. a memória da água, do som, do descanso, da paz, do isolamento do mundo. este lugar de memórias tem essa vantagem. podemos estar sempre a criar. rios, mares, deslumbres. mas todos, nos mais pequenos detalhes ou nas maiores construções são feitos do que fomos. do que somos. é estranho tudo isto. uma viagem densa demais. como um sabor que é uma memória que fica. em alguém. em alguma coisa. o mais importante é sempre o sabor. não. o mais importante é sempre a memória que fica de um sabor que se provou. não. o mais importante é a memória do que fomos quando um sabor se tornou um lugar seguro de onde não quisemos, um dia, partir. talvez seja isso. isso tudo...

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