20/02/15

... imperiosa conversa sobre cozinhar...


... explicar isto é complexo. a cozinha não é um lugar de paz. às vezes, quando observado todo o movimento, toda a transformação, todas aquelas imagens, tudo parece um lugar de desastre. não de erro, desse conceito, mas de desconstrução. o que chega é "desmanchado". desfigurado. desfeito. perdemos a noção das coisas como elas são. são produtos. ingredientes. coisas para criar outras coisas como se elas não tivessem valor em si mesmo no seu estado natural. queremos tornar "belo" o que é simples. embelezar a pedra para revelar a escultura. mas há nisto um misto de coisa bela e imensamente estranha. porque esquecemos o lugar natural das coisas. o seu sabor, a sua forma, a sua razão. o seu lugar, mesmo. queremos "transformar" tudo em outra coisa. ou dar outra forma. ou espantar. esta palavra é hoje uma das mais estranhas mas para mim sempre das mais presentes. a "cozinha espectáculo" ganhou forma sobre o manto de "desconstrução" das coisas. uma fatia de bolo tem que ser "desconstruída". um arroz de qualquer coisa, também. estamos impacientes com o natural estado das coisas. deixámos de saber olhar para o estado "natural" dos ingredientes e encontrar beleza nisso. ou espanto. precisamos de criar e recriar tudo. a cozinha não é um lugar de paz por isso mesmo. estamos, tantas vezes, em contramão com a natural beleza de um sabor. precisamos do lugar do espanto ao comer pois o mundo é, cada vez mais, o lugar da ilusão. e com isto vamos nos afastando de nós mesmos. sem darmos por isso. ou de forma alienada. como em tudo o resto, deixamos só as coisas irem nesse caminho. porque os sentidos precisam da ilusão mais do que do espanto. talvez o caminho nos mostre que, na cozinha, como no resto, a natureza das coisas, a sua essência, tem tudo o que é preciso sem a nossa sapiência de "desconstrutores" universais...

Sem comentários: