11/03/15

... cozinhar é ter alma ...


..."o imaginário é como um museu de imagens, sejam elas passadas, possíveis, já realizadas ou a realizar e pode manifestar-se em todas as ocasiões, seja nos sonhos, nos delírios, nas visões ou mesmo nas alucinações. o homem não pode viver sem imaginário, sem o prazer do imaginário porque ele é, antes de tudo, um antídoto do medo, principalmente do medo da morte porque, felizmente ou infelizmente, o homem é o único animal a ter consciência dela."
alfredo saramago

... quem se aventurar no caminho da cozinha, saiba que o caminho não é fácil. é, mesmo, algo difícil. e estava a pensar nisso agora. solitário pensamento de quem só tem a si mesmo para conversar sobre estas coisas. quem verdadeiramente queira entrar na cozinha e deixar que a cozinha tome conta de si, faça parte de si, saiba que a travessia do mar é dura. imensa. às vezes, tem a forma de adamastor. mas há depois uma recompensa para quem, verdadeiramente, abraçar a correria, os sabores, os cheiros, o constante afazer e o constante cansaço. há o lugar do imaginário que renasce em cada dia. em cada trabalho feito. em cada prato. ouvi uma chefe dizer algo que trago comigo: "vê, a cozinha portuguesa é tão boa que não precisa de grande "empratamento". as coisas são simples e boas por si." é uma tal de coisa chamada essência. que vem da identidade. e que em alguns pontos se liga com o nosso imaginário pessoal. tem sido uma imensa descoberta. dois chefes que estão a fazer um trabalho fabuloso de nos ensinar a amar a arte de cozinhar. a trazer gosto e sabor. a levar este imaginário ao lugar onde deve estar. e depois, ao aprender, dizemos: mas afinal é tão simples. é nessa beleza da simplicidade que se esconde tudo. e se revela tudo. penso nisto, quando sei o quanto me tem custado esta aventura. há uma parte em mim que se calou. não diz mais: o que é que estás aqui a fazer. mas quando se deixa a arte de cozinhar entrar na pele sabemos que não seremos os mesmos quando este caminho acabar. não sabemos como seremos. porque não seremos os mesmos. eu não serei o mesmo. e dante, o da divina comédia, tinha uma expressão de encruzilhada que definia tudo. perdido no meio da vida dei por mim sentado numa pedra. diria eu. e encontrar-me na e pela cozinha, como hoje se dizia em conversa que nos fez pensar um pouco num silêncio que devorou o espaço, faz pensar. faz mesmo pensar. há uma magia, uma imensidão de coisas, nesta coisa única que é cozinhar. este é só o pensamento triste de um homem só, diria antónio nobre, o poeta. eu diria o mesmo. e nem sei porquê. quem se aventurar no caminho da nobre arte de cozinhar, saiba que tem que levar o seu lado mais humano. ouvir dizer que as costas vão doendo. que os dias vão passando. que as horas, às dez, doze ou mais de cada vez, vão passando depressa demais, às vezes, para serem vividas. mas que no fim do dia, quando ninguém ouve e ninguém vê e só o seu próprio pensamento ecoa saberá que o lugar perdido é encontrado num sabor que fica como imaginário vivido, presente e futuro...

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