22/03/15

... do tempo na cozinha ...


«...the vibrations on the air are the breath of god speaking to man's soul. Music is the language of god. we musicians are as close to god as man can be. we hear his voice, we read his lips, we give birth to the children of god, who sing his praise. that's what musicians are...»
copying beethoven, movie

... estava a aguardar o arroz secar e pensava. o tempo. aqui, tudo é uma questão de tempo. nele reside a imperfeição de tudo. quase tudo. o resto vem das mãos. e do cuidado. é necessário uma abstracção total do mundo para gerir as imperfeições na cozinha. e a cozinha é mesmo o reino das coisas imperfeitas. a conjugação, qual partitura, é mesmo essa escrita com tempo das coisas que se podem combinar para fazer algo saboroso. num espaço e num mundo onde o tempo das coisas é sempre acelerado, a cozinha não consegue fugir a isso. deveria. tudo são máquinas para arrefecer mais depressa. cozinhar mais rápido. fazer "parecer" que até foi feito à mão. as mãos precisam de tempo. de tempo para fazer e tempo para descansar. a máquina é feita para o contínuo processo de fazer. fazer sempre. estava a pensar nisto porque foi confrontado com a cozinha oriental. sabores e técnicas. e percebo a lógica cultural mais do que o que dela fazemos para parecer que sabemos, aqui, neste canto do mundo, imitar o que lá é feito ancestralmente. é que o segredo é mesmo esse. ser ancestral. como a doçaria conventual, por cá. curiosamente foi nesta semana o reino desta questão que se cruzou nesse espaço que é a cozinha e a pastelaria. olhava eu para o forno e via que o processo acelerado das coisas feitas para estarem prontas desvirtuava o virtuosismo daquelas que tiveram tempo para repousar. adoro esta expressão. deixar as massas repousar. descansar. como se fosse preciso o mundo girar mais um pouco para o sabor aparecer. saber esperar é, na cozinha, a maior das virtudes. para os comensais, essa espera, pode ser o maior dos prazeres. aquele descanso que traz algo de novo. contra a pressa de um mundo cada vez mais rápido. curioso, isto. olhar e ver a importância do tempo, que passa, que passou, que fica para ser espaço de criação, na cozinha. é talvez esse, parte do segredo que agora começo a entender... 

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