02/03/15

... refazer o paladar ...


... a cenoura é doce. pode ser outra coisa. mas há algo que não muda por mais que tentemos. é a nossa memória ancestral. qualquer coisa de instintivo. o paladar tem esse segredo guardado. essa descodificação. o que fomos perdendo foi mesmo o saber básico de um sabor. e não estou a falar das cenouras compradas numa qualquer hiper-superfície comercial. estou a falar de uma, plantada num pedaço de terra e deixada a crescer com o que a terra dá e o cuidado do homem permite. e depois, saboreada. estranhamos o seu sabor. a naturalidade do mesmo. vamos buscar conceitos definidores da coisa: gourmet. ou coisa parecida. biológica. para parecer mais limpa ainda. é curioso isto. quanto mais nos aproximamos do natural mais achamos, agora, que as coisas vão tendo aromas e sabores sofisticados. procuramos "harmonias" e algo como isso. o que o paladar não esquece é mesmo o que sabe ser verdadeiramente saboroso. o segredo está em apurar isso. pensei nisto ao olhar para um livro de cozinha com quase mil e quinhentos anos. e que continha uma frase deliciosa: "o sabor é como um rio. passa e um dia volta em forma de chuva." é mesmo isto. não há melhor forma de o dizer. cresci num ambiente familiar onde a cerimónia e a educação à mesa (e em todas as circunstâncias) determinava tudo. mantenho, por acreditar que isso é bom, essa forma de vida no meu dia a dia. acompanho isso com esta memória. com este paladar feito de sabores genuínos. ancestrais. o que se come, comeu e como se come e se comeu determinam em muito a nossa memória para a criação de uma iguaria. é fabuloso ver e sentir como as coisas se juntam. a cozinha é sempre um lugar de espanto. nem que seja só por isto...

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