15/04/15

... inventar um sabor ...


..."la valentía que no se funda sobre la basa de la prudencia se llama temeridad, y las hazañas del temerario más se atribuyen a la buena fortuna que a su ánimo."
d. quixote, m. cervantes

... aipo, lima, limão, peixe (aparas), cebola, gengibre, caldo de peixe, coentros, sal e pimenta. e pronto. tudo triturado. está feito. não foi pelo sabor que fiz a reconstrução daquilo. foi pelo olfacto. pelo cheiro de cada ingrediente. está no sangue de quem cozinha, a prova. mas está também, no instinto humano de quem come, cheirar primeiro. o que se diz, muitas vezes, ou o que se ouve é mais simples do que tudo isto. é: cheira tão bem. o sabor vem depois como confirmação. isto é relativamente simples de explicar. o olfacto é um sentido de proximidade e segurança. o sabor é mais limitado. é do mais básico que temos. mais ancestral. e ao recriar umas coisas fui pensando nisto. por isso reduzi numas coisas e intensifiquei outras. imagino o criador do sabor original. e toda a história ligada ao prato. é aqui que, como ortega e gasset diria o homem é o homem e a sua circunstância. eu adaptaria para: a cozinha e um sabor é a cozinha e um sabor e as suas circunstâncias. é por isso que, em cozinhas assépticas é tão difícil criar um sabor novo ou uma combinação de sabores experimentados num outro contexto. modernamente tenta-se recriar tudo. os cheiros da lareira, o som do mar, o cheiro de um quarto antigo de uma casa no nepal. a verdade é que nada disso é possível. podemos recriar aromas e pontos de ligação com a receita original. mas nunca o pleno deslumbre.  os nossos sentidos não se deixam enganar assim tão facilmente. estão preparados para perceber a relação entre o local onde estamos e o que estamos a comer. é por isso também que desconfiamos de sabores "perfeitos" em locais diferentes daqueles onde um dia os provámos. pensar isto é ser cozinheiro hoje. e a experiência faz com tudo isto entre agora na equação de recriação de um sabor. porque há coisas impossíveis em cozinha. não no acto de cozinhar, mas na cozinha que cria sabor. o impossível é enganar o sentido humano da percepção. por mais astuto que seja o mestre que cozinha. dei por mim, hoje, a pensar nisto enquanto desejava poder fazer umas boas e portuguesas pataniscas de bacalhau...

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