13/05/15

... da alma na cozinha ...


«...que difícil é propor um problema ao entendimento alheio sem corromper esse entendimento pela maneira de propor! se dizemos: acho isto belo, acho obscuro, ou outra coisa semelhante, arrastamos a imaginação para este juízo, ou irritamo-la, levando-a ao juízo contrário. mais vale nada dizer, e então o outro julga segundo o que é, ou segundo o que é naquele momento, e de acordo com o que as outras circunstâncias, de que não somos responsáveis, lá tiverem posto. mas pelo menos nós não pusemos nada; a não ser que o nosso silêncio tenha também o seu efeito, segundo o sentido e a interpretação que ele estiver disposto a atribuir-lhe, ou segundo o que depreende dos movimentos e da expressão do rosto, ou do tom de voz, conforme for melhor ou pior fisionomista: tão difícil é não deslocar um entendimento da sua base natural, ou antes, tão pouco um entendimento tem de firme e estável!...»

pascal

... são coisas simples. vinte minutos. um risotto. não esperar vinte minutos por um risotto é uma ofensa. o tempo e comida sempre foram velhos amantes. sábios e sabidos. queremos trocar-lhes as voltas introduzindo máquinas e "novas" técnicas. mas com o tempo e com a comida não se brinca. não são de modos simpáticos de serem enganados. há nisto uma impressionante certeza. são as mãos que os unem. ao tempo e à cozinha. e que os podem, também, separar. quem ganha ou perde com a união de ambos ou a sua separação somos nós. ver cozinhar quem sabe isto tem um espanto encantador. nem que seja por um segundo de um dia inteiro. "está a ver, é assim". e antes mesmo de entrar o risotto no tacho já cheirava tudo ao que viria ser. era o tempo. foi preciso o tempo. era o segredo que tudo parecia fazer tão simples. roubada a prova, lá estava. era preciso atrasar o serviço para sair tudo bem. e o tempo de vida depois de feito é curto. como todas as coisas gravadas com estes sabores feitos de tanto. a cozinha portuguesa e quem cozinha anda a esquecer-se disto. das coisas a seu tempo como o que é de césar a césar pertence. por muitos truques que seja possível inventar nada existe de melhor para alguém cozinhar algo inesquecível do que o tempo passado entre a lentidão das coisas feitas com dedicação e saber. aprender isto é ter uma das maiores lições que já tive nesta aventura. percebi hoje que tinha aprendido muito mais do que imagino, até. percebi que já consegui entender tudo isto no correr exausto dos dias passados numa cozinha entre o calor e o desafio. o corpo sente e ressente-se. a alma também. mas tudo vale por encontrar, num dia, em tantas horas de uma vida, um minuto como aquele em que, sem ninguém saber, estive a ver cozinhar com tempo quem sabe fazer tudo o que quiser porque o faz com alma...

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