23/05/15

... superação na cozinha ...


«ide! 
tendes estradas, 
tendes jardins, tendes canteiros, 
tendes pátria, tendes tectos, 
e tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios... 
eu tenho a minha loucura! 
levanto-a, como um facho, a arder na noite escura, 
e sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...»

josé régio


... foi das semanas mais duras e mais ricas nesta aventura de aprender cozinha. fui parar ao médico que me encheu de remédios. o corpo começa a dizer que a idade já não é para estas coisas. foi um tempo de loucura. de tentar. de perceber que os limites são só feitos de medo e desânimo. quando os colocamos de lado conseguimos superar o que parecia impossível. foi preciso estudar. passar horas a tentar. dias a experimentar. foi o tempo de regressar às bases. e foi algo importante esse movimento de regressar ao princípio de tudo. fazer. e refazer. perceber que sem saber o simples o complexo parece impossível. e depois, criar. ir buscar um cheiro que era uma memória. colocar num recipiente. fazer do aroma um ingrediente de uma refeição. em memória de alguém que está sempre comigo, não estando. l'air du temp. era o perfume que usava a minha tia que me faz toda a falta do mundo. seria o seu dia de anos. esteve comigo, naquele aroma que coloquei numa sobremesa que foi muito mais do que isso. foi o ponto de chegada ao momento em que sei o que fiz bem e o que fiz mal. sabendo explicar a razão de ambas. e que me encheu dessa memória do rosto doce, da ternura imensa e da saudade. foi um tempo de fazer a memória um lugar doce. nem que fosse só por breves instantes. e terminar estes dias com a arte de fazer pão "à antiga". o sabor vem do tempo. disse um chefe que sabe muito mais do que alguma vez sonharei saber. aquele sabor do pão quente a sair do forno, pão feito de tempo e mãos que o sabem amassar, levaram-me ainda mais longe. à razão das coisas simples. dos sabores. das coisas que se vivem ou que deixamos passar. a cozinha é feita de tudo isto. do "ar do tempo". e que assim seja para quem aprendeu a amar esta coisa de criar algo impossível para colocar no prato...

Sem comentários: