06/06/15

... confidências de cozinha ...



«...basta pum basta!!! 
uma geração que consente deixar-se representar por um dantas é uma geração que nunca o foi. é um coio d'indigentes, d'indignos e de cegos! é uma resma de charlatães e de vendidos, e só pode parir abaixo de zero! 
abaixo a geração! 
morra o dantas, morra! pim!...»
almada negreiros

... às vezes relembro o que aprendi com a vida. a ouvir, mais do que a falar. a nunca responder a nada sem pensar. a esperar. a não esperar nada. mas esperar sempre. a cozinha tem-me ensinado mais. a virtude do tempo. do saber que cada coisa tem, realmente, o seu tempo. e a ouvir, ainda mais. não sei se, terminada quase que está esta parte da viagem, se sei cozinhar um pouco mais ou melhor. sei que me desafiei. em cada momento. em cada pergunta que fiz. em cada prato que confeccionei. que me desafiei sempre. quer no que tinha como certo. quer nas dúvidas que sempre tive e mantenho. aprendi que só tendo uma abertura imensa de espírito para aprender com os outros se pode, de facto, aprender cozinha. aprendi que há chefes com tanta experiência que o saber só pode ser lido nas mãos. e aprendi com outros que a idade não é sinónimo de nada. aprendi com os colegas mais novos que podemos sempre desafiar os nossos limites. aprendi com os mais velhos que a verdade do que sabemos só pode servir de referência para fazer mais e melhor. esta fase que agora termina para em breve retomar, foi feita de dificuldades. o trabalho físico que nunca tinha abraçado. o corpo cansado demais para aguentar ainda mais porque é sempre mais aquilo que a cozinha exige de cada um. o desligar de uma vida profissional anterior. a saudade de tudo isso e a falta. o fechar de um ciclo. o fechar de uma vida. a fuga e a incerteza. e a reflexão. o perceber que a cozinha em portugal está a precisar de um rumo. de recuperar muito para que não se perca no tempo e no modo. que não basta falar de produto nacional se não se falar das formas ancestrais de fazer bem e bom o que só nós sabemos fazer. saber qual o caminho a fazer. perceber isso em cada conversa de fim de tarde. em cada dia em que se ficava um pouco mais na cozinha em troca de ideias com chefes que nunca diziam que não a explicar um pouco mais. é muito importante isso. saber que eles que estão ali para ensinar não reservam nenhum segredo. os segredos em cozinha não existem. basta perguntar. e a pergunta é, em cozinha, sabor. sabor que se vai colocar num prato. aprender que tudo o que se fizer com dedicação e vontade terá um sabor diferente. que arriscar é experimentar. experimentar primeiro. saber as técnicas como se sabe ler ou escrever. perceber que, com isso, tudo se pode fazer. basta querer. e é preciso querer muito para se estar e sobreviver na cozinha. é dos ambientes mais duros, mais brutais, mais rudes. o cozinheiro pode e deve ser o mestre, o artista, que no meio de tudo isso, de todo esse ambiente encontra a beleza. coloca a beleza num prato para os outros. perceber que os egos não entram na equação da cozinha. mesmo que este seja o tempo das estrelas. cozinhar é para os outros. sempre. antes de tudo o mais. as estrelas são como tudo o resto. surgem e vão. os outros voltam ou não. e dos outros é que vive um cozinheiro. do sabor que tem para lhes oferecer. das memórias. criadas. recriadas. a cozinha tem que ser um lugar de memória mais do que instantes. recuperar esse estatuto de permanência. de constância. com beleza, claro, mas com coerência. esta viagem que agora me leva para uma nova fase com mais desafios ainda será para mim esse espaço de confirmação. de procura que vai continuar. mas com a certeza que, mesmo sem saber se cozinho bem ou mal, sei que ideia, razão, lógica ou essência quero para aquilo que vou cozinhar. isso pode não ser muito, mas já é alguma coisa. haja forças para continuar...

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