30/10/15

... aguentar quase sempre ...


«a realidade das coisas não são as coisas. a realidade das coisas é o aspecto das coisas.»
pedro paixão

... todos erramos. eu, muito mais do que os outros. aprendi a não ter certezas e a encontrar numa nostalgia que tenho presa à pele algum resto de forças. a cozinha é, para mim, agora um canto. um recanto. um espaço cada vez mais vestido de silêncio e de erro. às vezes algum diz: disseram que estava bom. desenho um breve sorriso. este desfaz-se mais rápido do que dou pela sua formação. regresso ao meu canto e ao meu silêncio. e aos livros. e a procurar, sempre, mais coisas para saber. os livros falam melhor comigo do que alguma vez pensei. há livros que são memórias imensas. outros, legados. neles ninguém tem certeza nenhuma. as coisas estão ali, contadas. descritas. enunciadas. nada mais. livros sem imagens são melhores. dispensam a minha humilhação de nunca conseguir fazer as coisas como se apresentam. depois, depois regressa-se à cozinha. cheia de coisas. cheia de outros. resumimos tudo a uma concordância de cerimónia. percebemos que somos sempre quem sabe menos e quem está, agora, no local errado. no lado errado do tempo, do modo de ser e fazer, e do que é o acto de cozinhar. observa-se. observo. eu, pior que todos, tento. tento aprender sempre no meio de tanta coisa e atravesso este tempo cansado demais. por momentos, percebo que a realidade nunca é aquilo que se julga ver. na cozinha e na vida. e ninguém pergunta nada mais nos tempos que correm. o que aparece é. julgamos tudo assim, é mais fácil. cozinhamos, assim, também. é nisso que me sinto cada vez mais removido para o canto. para um canto da cozinha. porque preciso acreditar que assim não é. nem que seja só para manter a vontade imensa de tentar, um dia, saber cozinhar...

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