31/10/15

... cozinhar com certezas ...


«... mi mejor fuente de inspiración eran las conversaciones que los mayores sostenían delante de mí, porque pensaban que no las entendía, o las que cifraban aposta para que no las entendiera. y era todo lo contrario: yo las absorbía como una esponja, las desmontaba en piezas, las trastocaba para escamotear el origen, y cuando se las contaba a los mismos que las habían contado se quedaban perplejos por las coincidencias entre lo que yo decía y lo que ellos pensaban...»
garcia marquez

... percebi que a cozinha é um lugar de semi-deuses. questionar é um lugar apenas pessoal. chamam-lhe, modernamente, autoria. de autor. quando colocamos o que somos e sabemos numa confecção. aquele toque que só nós sabemos fazer. mas a verdade é que a base, essa, devia ser a mesma. não há interpretações possíveis para fazer no conhecimento das bases da cozinha. são tão antigas como a origem do homem e o primeiro momento em que, usando o fogo, cozinhou um alimento. questionar isso é questionar a própria forma como tratamos os alimentos. um cozinheiro tem, essa gratidão e respeito a ter que ter com os alimentos. por princípio e por razão. o acesso que se tem a cada coisa é um privilégio que muitas vezes não é valorizado. pensei nisto ao cozinhar um lombo de pescada. acho curioso que dizemos imediatamente: a pescada é um peixe com pouco sabor. tal não é verdade. vivemos é cercados de sabores intensificados, modificados, exacerbados que o suave sabor natural das coisas simples deixam de ter lugar na nossa forma de cozinhar. a verdade é que cabe ao cozinheiro essa "magia" de fazer ter lugar algo que julgamos esquecido na mesa desta contemporaneidade cheia de ilusões. as certezas que temos, no entanto, não se aplicam assim tão facilmente. os peixes não são todos iguais mesmo quando são iguais. nem os dias, ou as horas. ou a inspiração das mãos. no momento. é preciso olhar e sentir o que se pode fazer com o que se tem. sim, sentir. há um lado intuitivo na cozinha que é cada vez mais empurrado para o esquecimento mas que tem um valor incalculável. comer é um acto instintivo antes de tudo o resto. cozinhar, também. a percepção do que temos e podemos fazer é, em primeira análise, instintiva. depois vem o resto. o aprendido. o que se sabe. isto é tão simples que nos afastámos disto como dos sabores suaves. às vezes esquecemos isso. achamos que saboroso é sinónimo de salgado ou apurado até à exaustão. ou cheio de misturas e de ingredientes. podemos reaprender tudo isso se percebermos que um sabor suave é tão válido como qualquer outro. às vezes até mais. porque precisamos disso num tempo de agressividade e brutalidade. sentir que ao comer, podemos cuidar desse lugar de descanso é fundamental. descartar tudo isso é uma perda imensa para a cozinha. farei sempre essa defesa, em cada confecção. nem que seja para salvar da vida aquilo que é preciso resgatar: suaves sabores.

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