28/10/15

... manifesto pelo acto de cozinhar ...


«...early each day to the steps of St. Paul's, the little old bird woman comes... in her own special way to the people she calls, come buy my bags full of crumbs. come feed the little birds, show them you care, and you'll be glad if you do. their young ones are hungry, their nests are so bare; all it takes is tuppence from you. feed the birds, tuppence a bag. tuppence, tuppence, tuppence a bag... feed the birds, that's what she cries, while overhead her birds fill the skies. all around the cathedral the saints and apostles look down as she sells her wares. although you can't see it, you know they are smiling each time someone shows that he cares. though her words are simple and few, listen, listen, she's calling to you. feed the birds, tuppence a bag. tuppence, tuppence, tuppence a bag. though her words are simple and few, listen, listen she's calling to you. feed the birds, tuppence a bag. tuppence, tuppence, tuppence a bag...»
mary poppins, filme

... nota prévia: "bocusiano" me confesso. até quando paul bocuse foi ao el bulli e referiu que não o surpreendeu. estou no tempo errado. e no lado errado da cozinha. porque hoje o tempo é outro. 

morra a espuma, morra, pim!
resgate-se ao fim do mundo o acto de cozinhar. é urgente. aquele acto de esperar pelo sabor. aquele acto de confeccionar uma iguaria. aquele acto de conhecer a história de um prato e a memória que se quer criar para além do momento. tempos líquidos estes em que um sabor é só um instante. em que se criam espumas, ares e coisas que tais. em que chamamos de texturas tudo aquilo que naturalmente existe e em que, quem cria, armado em semi-deus, recria o que já existe. são tempos de ilusão. de alquimia. de magos e feiticeiros. de alucinações. esta não é a minha cozinha e por isso este manifesto. meu, só meu. uma declaração para mim mesmo pois a mais ninguém interessa. 
serei velho do restelo, serei!
cozinhar parte do calor e do frio. e do tempero. e do esperar. e do misturar. e do preparar e do repetir. aprendemos que podemos saltar passos nesta coisa de fazer de alguém um cozinheiro. que não é preciso saber fazer bem uma coisa pela repetição. fazer o mesmo prato cem vezes e cem vezes sair igual. deixamos tudo nas mãos da palavra desconstrução. depois, sem bases, aproveitamos e criamos a moda de ser moderno ser assim. é um remendo. é uma desfaçatez em frente da memória e do saber. criamos antes de saber verdadeiramente cozinhar. achamos normal isto porque é a tendência. esgotamos tudo em produtos que precisam ser de muito boa ou excelente qualidade para salvar o prato. deixar falar os produtos porque as técnicas, essas, não estão lá. não é sempre assim. salvam-se aqueles que juntam as duas coisas. são poucos, mas existem. salvam-se porque sabem que a memória e a história do que somos e do que comemos é tão importante como a beleza pela beleza.
colocamos as cores nos pratos como recurso para ser belo. não é belo, é bonito. o belo exige o sentimento de compreensão. emoção e razão juntas. percebemos que temos que usar mais coisas. intensificadores. emulsionantes. coisas que salvem o que não está lá. e o que não está lá e o básico acto de cozinhar. aquele que o tempo nos ensinou. a nós, homens, de um tempo certo.
serei esquecido, serei!
depois revestimos as coisas que apresentamos de um manto de nevoeiro. somos cavaleiros da "mesa" redonda sem rei artur. confiamos na direcção sem nos questionarmos. é assim porque é assim. aceitamos a certeza de outros nunca questionando a nossa. mesmo quando não nos parece certo. nem bom, nem que fique para um dia queremos voltar para comer igual. e se voltarmos, não será igual. foi desconstruído. a referência não tem lugar na cozinha destes tempos de passagem. de imediatismo. não se repete. vai-se de espectáculo em espectáculo. muda-se de seis em seis meses porque nada pode ser igual para não ser comparável. difícil sim é cozinhar. e repetir. e ser igual. e termos a certeza das coisas num prato. nem que seja nisso porque a vida a isso nos nega.
serei cozinheiro, sempre!
manifesto, sim, este estado de alma, de resgate da cozinha feita memória, história e sabor. razão. com ou sem receita. moderna, sim, porque sempre contemporânea. mas cozinha. não um qualquer golpe de ilusionismo sem a graça de nos perguntarmos como foi feito. cozinhar é tempo, dedicação, certeza e amor. tudo o resto é passageiro. 
ou então, será de mim...

Sem comentários: