25/10/15

... pode parecer estranho ...


"a beleza do mundo, que muito em breve perecerá, tem duas margens, uma do riso e outra da angústia, que cortam o coração em duas metades."
virgínia woolf

... desde o primeiro dia em que me desafiei a fazer uma viagem pela cozinha que me pergunto: o que farei com isto. a pergunta era a errada desde o início. devia ter sido: o que fará isto de mim. devia ter-me resumido a um espaço de aprendizagem que fosse só isso. algo que farei agora. gosto da cozinha típica portuguesa. gosto das coisas simples. de saber fazer um bom arroz de feijão ou um bom cozido à portuguesa. os jus, os colis, as reduções são coisas que conheço e tenho a obrigação de saber fazer mas nas quais não fundamento a cozinha que quero fazer. talvez um dia mude de opinião ou me aventure a saber e fazer mais. talvez porque a insatisfação é natural no ser humano e a curiosidade, também. mas por agora ainda estou na fase das bases. assar bem. cozer bem. estufar bem. com sabor e repetindo procedimentos até os saber na ponta dos dedos que criam, todos os dias, algo igual. cozinhar e saber cozinhar é isso. é ter essa certeza e esse conhecimento. antes de tudo o resto que agora é moda ou tendência. ou do deslumbre do mediático de uma cozinha que todos sabemos que não é assim. às vezes faço de propósito para não saber os nomes das coisas. fazer um molho é um domínio essencial. se hoje tem outro nome não me interessa. interessa-me saber fazer as coisas. e saber fazer bem. e saber repetir as vezes que são necessárias com a certeza do resultado final. não percebo quem não procura esta lógica de base. esta estrutura. este fundamento. começar por cima, por coisas que encantam os olhos mas muito pouco o paladar não é cozinhar. é outra coisa qualquer. cozinhar é dar sabor. dar a saber o sabor. digam o que disserem em contrário. a cozinha portuguesa tem essa razão de ser porque é pobre. rica no sabor mas pobre nos produtos que são de sobrevivência antes de tudo o resto. é extremamente exigente, por isso. porque quando havia arroz nas mesas este não se podia estragar. os luxos que agora são certezas levaram ao apuramento da técnica e dos sabores que dela emergem. respeitar isso é respeitar o acto de dar alimento a outros. alimento que é memória, antes de tudo o mais. e agora que resumo o que aprendo a experimentar longe de tudo e de todos, sei que só isso me guia. essa certeza. essa vontade. de fazer saber bem. de fazer o sabor sobressair do que me é dado para criar...

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