21/10/15

... da satisfação ao cozinhar ...


«não acabava, quando ua figura
se nos mostra no ar, robusta e válida,
de disforme e grandíssima estatura;
o rosto carregado, a barba esquálida,
os olhos encovados, e a postura
medonha e má e a cor terrena e pálida;
cheios de terra e crespos os cabelos,
a boca negra, os dentes amarelos.»
luis vaz de camões

... gosto de cozinhar. tenho prazer quando termino uma confecção e sinto o dever cumprido. aprendi com o chefe tiago sá que três coisas são precisas: preparação, lógica e fazer sempre o melhor do mundo. quando tudo falta sinto que fica tudo por fazer. ou tudo a meio. a lógica nota-se no prato. a preparação, no sabor. o melhor que sabemos fazer vai-se perdendo sempre que remendamos falhas e faltas. e sinto que precisava aprender uma forma de cozinha que me diz pouco mas que quero muito dominar. a construção de um menu de degustação inverte a lógica da cozinha. do cozinhar enquanto junção de elementos. é um espaço aberto, de imaginação, mas sempre com a lógica como elemento único. quando isso não existe sinto que estou só a cozinhar um prato que podia ser para outra coisa qualquer. quando, no final, olho para o resultado e sei que tudo podia estar muito melhor sei, também, que o peito se enche de um espaço vazio e de um desalento maior, feito adamastor que combato a cada instante neste lugar onde não estou confortável. sempre enfrentei os meus mitos na cozinha. assim foi com o pudim abade de priscos que transformei num gelado e assim gostava que tivesse sido com um prato de coelho (ou caça) onde residem algumas das minhas imensas reservas de convicção. sinto que me falta aprender. e aqui não é treinar ou criar. é mesmo aprender. ser ensinado naquilo que não sei. no uso de produtos, na lógica de construção de um prato, na organização e preparação. talvez num próximo desafio consiga tal coisa. gerir os dias na cozinha é mesmo isto. sentir preso no peito a ideia que sei e consigo fazer muito, mas muito melhor. e quero. porque esta forma de cozinhar é também uma entre muitas. e saber como a fazer é um desafio. ousar entrar nestes fins do mundo faz parte do caminho. e ainda bem... 

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