08/10/15

... mais do que antigo ...


"...o prazer gastronómico não é pecado. o que foi pecado bem marcado pela igreja foi a gula. no entanto, os homens do senhor nunca souberam muito bem onde a deveriam arrumar. começou por ser o primeiro pecado capital, e a gula considerada mãe de todos os outros, depois desceu para terceiro, depois para sexto, voltou outra vez para terceiro. neste momento não se sabe que lugar ocupa. talvez a igreja se tenha interessado mais pelos que morrem de fome do que por aqueles que comem muito..."
alfredo saramago

... aos poucos sai de nós, enquanto humanos, a relação directa com o natural. escrevi, com o natural e não com a natureza. essa, quer queiramos quer não, está sempre presente. é natural que um pão seja moldado com a mão. o gesto, esse, perdemos. dizia um dia que um biface e um rato são iguais apenas numa coisa. no design. o moldar, bolear ou rodar do pão na mão, com as mãos, precisa agora de ser ensinado. perdemos essa noção das coisas naturais. que o pão se encaixa na mão porque é desta que este nasce. do amassar. do criar com as coisas do mundo uma iguaria que tem uma memória histórica maior do que qualquer outra. fazer pão é respeitar tudo isso. ter que respeitar tudo isso. e o tempo. o tempo de espera. o tempo de confecção. o tempo natural das coisas das quais já nem sabemos o tempo natural ou o sabor. percebi isso quando, perante um desafio simples, de ter que cozinhar com o que o olhar me dava a perceber disse: farei um arroz de presunto. e um cozinheiro de meia idade que me via ali deslocado e perdido me disse logo: você é do norte. expliquei que não. que era da terra de ninguém. lisboeta. mas que conhecia. o arroz, o sabor e montalegre onde se come o melhor. ele, fazia migas. foram só dois minutos de conversa e percebemos as coisas naturais entre quem cozinha. truques e segredos à parte, era na essência de usar o que se conhecia, o que ali estava, o que era natural e ligava como nenhuma outra coisa porque eram locais, dali, da terra, que estava o sucesso do sabor servido. quando cozinho tenho sempre isso em mente. em cozinha cada ingrediente, cada alimento, cada iguaria tem o seu lugar e espaço natural. forçar a sua "essência" é ou um desafio ou uma loucura. o cuidado é sempre todo. como o pão, que se respeita. sempre...

Sem comentários: