03/10/15

... manter simples ...


«esta sal
del salero
yo la vi en los salares,
sé que
no van a creerme,
pero canta,
canta la sal, la piel
de los salares,
canta
con una boca ahogada
por la tierra.»
neruda


... aprender obriga a pensar no que se pensava saber ou se desconhecia. nunca tomo nada como certo. muito menos o que sei. exijo sempre de mim essa inquietação. principalmente quando cozinho. e sempre tive preso na vontade de criar algo que pudesse ficar na memória. acho que perdemos a noção disso. que o cozinheiro é um criador de memórias. de referências. de certezas. quando não criamos essa certeza sabemos que tudo falhou. foi só algo mais que se comeu. mas criar algo que fique para além daquele momento demasiado efémero que é o de uma refeição é algo de extraordinário. agora que retomo o acto de aprender, ando na incansável procura. na demanda de leituras, buscas, perguntas, experiências, dúvidas. cada vez mais dúvidas. preparo-me como sei. numa cozinha tem que ser assim. experimentar sempre, no escuro, mergulhado no erro e na tentativa. só nas repetidas imagens da televisão é que o tempero ou o processo sai sempre bem. no processo de aprender, tudo falha. e ainda bem. assim, aprende-se. e este é o tempo para isso. para errar mais do que acertar. para tentar mais do que conseguir. e quando se conseguir, celebrar. e guardar o processo. em nenhuma outra demanda se faz tudo para os outros. não abdico do sabor. nem da beleza. conjugar os dois é que é o desafio. é como fazer um esboço. antes da obra. cozinhar para os outros obriga a isso. sempre. e colocar todas as certezas de lado menos uma: a da cozinha que queremos fazer nossa. sei que não serei ninguém nesta coisa da culinária feita momento de estrelato como se fritar um ovo fosse uma coisa de autor. sei mesmo que não tenho tempo para isso, cheguei tarde. mas sei que quero fazer esta caminhada até ao fim com a mesma ideia. fazer o melhor que sei para aprender muito mais do que pensava um dia ser possível saber desta coisa da cozinha. gostava de um dia conseguir criar um prato que pudesse ficar na memória de alguém. se não fosse criar, fosse reproduzir. acredito que não abdicarei do que aprendi sobre cozinha típica portuguesa, pelo que estudei e quero continuar a estudar sobre isso. mas sei também que ensinei muitas vezes e apliquei muitas vezes a ideia de recriar sempre o que se tem como certo. juntar estas duas coisas e manter tudo muito simples é um desafio imenso. um subir da montanha com a pedra. um colar com cera as asas para voar até ao sol. ou simplesmente, o último canto. não importa. é uma busca incessante por esse saber. esse sabor. que venham os desafios. do mar à caça ou da terra ao céu. não abdico do sabor. mas também não abdicarei de assinar por baixo uma confecção que desejo sempre que crie uma memória um pouco mais longa do que o tempo de um almoço ou jantar. quem sabe, um dia, consigo...

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