26/11/15

... construtores na cozinha ...


«...um dos preceitos mais enraizados e mais geralmente admitidos é o de acreditar que os homens possuem em si qualidades imutáveis: há homens bons ou maus, inteligentes ou estúpidos, enérgicos ou apáticos, e por aí adiante. ora, os homens não são assim. podemos, apenas dizer que um homem é mais vezes bom que mau, mais vezes inteligente que estúpido, mais vezes enérgico que apático, ou o contrário; mas classificar um homem, como sempre fazemos, de bom ou inteligente e um outro de mau ou estúpido é um erro. também os rios, todos de água, são umas vezes mais estreitos, outros rápidos, outros largos ou calmos, transparentes ou frios, caudalosos ou tépidos. ora, os homens são como os rios. cada um traz consigo a semente de todas as qualidades humanas, de que revela, em certos passos, umas características, noutros, outras, chegando mesmo, em certas ocasiões, a mostrar-se sob uma forma completamente oposta à sua natureza íntima, que, não obstante, mantém...»
leon tolstoi

... habito o silêncio. queria ser capaz de o fazer ainda mais. serei capaz, certamente. e um tempo. que não é de agora. talvez por isso o meu fascínio pela pastelaria e doçaria aumenta a cada descoberta. aquele é o tempo dos construtores. é outro tempo. pensado. coerente, sabedor, edificado. a beleza da experimentação ocorre na imaginação e não na fantasia. parte do real e dele faz qualquer coisa nova. percebemos que uma dedicação assim não é para quem não sabe esperar. aprende-se a esperar por tudo na confecção de um doce. pelo repouso e pelo apuro. pelo frio e pelo quente. pelo despertar dos sentidos porque esta é, quase sempre, a última iguaria dos comensais. a que fica. a que pode salvar tudo o resto. a que se leva. a pela qual, tantas vezes, se regressa. tudo isto exige muito mais do que só misturar ingredientes. é preciso entender e como tal o seu espaço é atribuído a quem o faz. a quem perde esse imenso tempo para entender. a inteligência é isso. a destreza vem depois da prática de transformar as mãos em fazedoras disso. aprendo sempre que percebo que ali, naquele espaço de coisas doces, tudo tem o seu tempo. e ali, sem tempo, posso de facto cozinhar para além da imaginação. porque é preciso sentir e saber. é de uma exigência brutal. rouba tudo o que sabemos e até os nossos limites. mas oferece também a liberdade plena do pensamento. e isso, é de uma valor imenso para quem gosta, verdadeiramente, de cozinhar...

Sem comentários: