09/11/15

... histórias de cozinha ...


«... houve uma vez um tempo que não fosse um tempo de perguntas? nadas-mortas até à última. antes disso. tão cedo dadas à luz.antes disso. num tempo sem a palavra resposta. tempo de não ser possível responder. de não poder não querer saber. de não poder. de não. jamais. um sonho. eis a resposta...»
beckett

... ensinar é dos actos mais difíceis que conheço. é dar o que se sabe. fazer tal coisa bem é ainda mais difícil. cozinhar é dos actos mais exigentes que conheço. é por tudo o que se sabe para dar sabor e memória. e delícia. fazer tal coisa muito bem é ainda mais difícil. ensinar a cozinhar bem é missão dada como relíquia a poucos. pedi, durante tempo demasiado longo, para me ensinarem a fazer pasteis de bacalhau. não uns quaisquer. uns bons pasteis de bacalhau. aprendi. porque me ensinou quem sabe, verdadeiramente, fazer. e ensinar. e mostrar, sem reservas, o que sabe. cozinhar assim é cozinhar com essência. é cozinhar os alimentos com alma. não são ingredientes nem iguarias como modernamente lhes chamamos. são alimentos. de alma. com as mãos. só podia ser com as mãos. as mãos que fazem tudo. que amassam. que separam. que ligam. que temperam. sem certezas. "não sei quantos ovos". é preciso ver, saber, sentir. é preciso isso mais do que qualquer ciência ou sabedoria virtual. são coisas ancestrais estas. que não se ensinam a não ser pelo exemplo. por ver fazer. por fazer. por reparar que as coisas, sendo simples, revestem-se de uma única certeza para ficarem boas: dedicação. o sentimento ajuda. do alimento à alma e ao prazer de comer vai um passo pequeno. o resto é experiência. e quando se ensina e cozinha assim nada mais é preciso. isto tudo, por causa de um maravilhoso pastel de bacalhau...

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