05/11/15

... parece fácil ...


«... sentiu que estava a deixar de ser inteiro. sentiu aquilo que vivia não era a realidade. mas ele não sabia muito bem o que era a realidade. havia muito tempo que dentro de si se quebrara algo que lhe permitiria viver pelo prazer sem ser dominado pela dor. nunca se sentira só. a solidão é uma onda negra que se apodera lentamente do interior de nós, até nos envolver de forma insuportável. e só se revela com  voracidade interminável quando nos tornamos na recordação perdida de termos vivido fora dos outros...»
baptista-bastos

... já passou tempo. algum tempo. na vida, um ano. só isso. tudo isso. aprender a cozinhar é aventura para uma vida inteira. nunca para um tempo determinado. nunca por se fazer uma vez uma confecção. nunca por ver fazer. cozinhar é feito de um imenso misto entre o saber, a experiência e dedicação. repetir é importante, tanto como conhecer. tanto como pensar. como estudar. como rever. como esperar mais. como estar constantemente inquieto. desejar mais. desejar fazer melhor. conseguir e falhar muito mais. como na vida. e depois, depois perceber que é nas coisas feitas com a maior simplicidade que está o maior desafio. um molho que se faz para um peixe com mestria. uma sobremesa feita com elementos tão simples que qualquer pessoa reconhece a beleza do sabor ali criado. uma deliciosa composição de chocolate que leva só duas coisas e o resto é o mover de mãos e a forma de envolver tudo. uma conversa de corredor sobre cabrito ou sobre qualquer outra coisa em que se reflecte a vida de quem cozinha ou quem sabe. ao fim deste tempo, percebi isso. que aprendi e aprendo com cada momento algo de muito importante. uma escola pode ser isso também. feita de momentos. uma escola de cozinha tem que ser feita disso. da diversidade de cada opinião, de cada forma de fazer. é nisso que reside a beleza de tudo o que se aprende, assim. até aprender a saber ver quem sabe fazer com pouco, muito, é algo de revelador. e o contrário também. foi e é muito difícil estar nesta viagem. muito mais do que alguma vez pensei. mas há dias em que, vendo estas coisas simples brilharem e dizer para mim: isto é cozinhar, sei que um dia, lá muito longe ainda, gostava que dissessem isso de algo que eu faça. porque não quero ser chefe, nem anseio qualquer reconhecimento de nada nem de ninguém. o que gosto na cozinha é mesmo do anonimato. é raro alguém dar os parabéns, é ainda mais raro alguém agradecer ao cozinheiro por uma iguaria provada que se revela tão boa que nos prende a vida e a suspende por instantes. por isso, e gostando imenso dessa solidão anónima da cozinha, hoje só consigo pensar nisso. cozinhar é mesmo esse acto de fazer com coisas simples algo fabuloso. cozinhar é isso. tudo o resto é espectáculo. ou qualquer outra coisa. é por isso que, ao encontrar feito por quem sabe e como deve ser feito, algo tão bom de tão simples que é, que me reencontro comigo e repito: cozinhar é isto. nada mais. e ainda bem...

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