01/12/15

... compreender ...


«... cansamo-nos de tudo, excepto de compreender. o sentido da frase é por vezes difícil de atingir. cansamo-nos de pensar para chegar a uma conclusão, porque quanto mais se pensa, mais se analisa, mais se distingue, menos se chega a uma conclusão. caímos na inércia em que o mais que queremos é compreender bem o que é exposto - uma atitude estética, importe que o compreendido seja ou não verdadeiro, sem que vejamos mais no que compreendemos senão a forma exacta como foi exposto, a posição da beleza racional que tem para nós. cansamo-nos de pensar, de ter opiniões nossas, de querer pensar para agir. não nos cansamos, porém, de ter, ainda que transitoriamente, as opiniões alheias, para o único fim de sentir o seu influxo e não seguir o seu impulso...»
fernando pessoa

... a cozinha tem um lado de assinatura. escrevemos em cada confecção a nossa forma de estar na cozinha. compreender isso é perceber que com os mesmos produtos todos olhamos de forma diferente para o que podemos fazer com eles. depois, criticamos. por cada defeito colocado devia ser obrigatório, cada um de nós, relembrar dez erros que cometeu até chegar à certeza do que afirma. perguntar sempre, a finalidade antes de atirar uma dessas certezas absolutas em lugar errado, tantas vezes. o produto final, o prato criado ou replicado é um eco. é sempre um eco. da alma, da vontade, da vida, da forma de estar na cozinha. tudo isto por causa de um leite-creme. porque ao provar não havia nenhuma falta de verdade ou alteração no segredo para o fazer. o ter sido feito vezes sem conta. o saber todos os truques. o conhecer cada momento, cada gesto, cada forma de virar e revirar um sabor. servido, no final, é sempre fácil de identificar o seu autor. isto é assinar um prato. isto é transferir para coisas sem alma uma alma que dá sentido ao sabor. isto é que é difícil. porque o sentido estético pode ser uma presença mas nunca uma assinatura. essa está sempre onde é mais duro chegar a colocar o que quer que seja. no sabor. quando se leva à boca para provar saber de que mãos nasceu aquilo no meio de tanta gente que podia ter feito aquilo porque o sabia fazer. isto é, deveras, curioso. coisas com alma de quem as cozinha. fabuloso...

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