09/12/15

... do outro lado ...


«...vesti la giubba e la faccia infarina.
la gente paga, e rider vuole qua. 
e se arlecchin t'invola colombina, 
ridi, pagliaccio, e ognun applaudirà! 
tramuta in lazzi lo spasmo ed il pianto 
in una smorfia il singhiozzo e 'l dolor, ah!...»
ruggero leoncavallo

... gosto daqueles momentos de silêncio quando se cozinha. quando não há ninguém. quando só consigo pensar naquilo que estou a fazer e no sabor que quero conseguir. são breves e libertadores instantes. são lugares vazios. e neste tempo de gente cheia de coisas para dizer, verdades absolutas e loucuras demasiado bêbedas em geral, nada salva mais do que isso. aqueles instantes em que só há o simples acto de cozinhar. neste momento, as ideias são muitas. o que se quer fazer, já se sabe. pensa-se tudo antes. trabalhar em grupo é abdicar disso. mas saber isso é importante. guarda-se tudo isso num caderno para fazer noutro contexto. a viagem da imaginação tem sempre o seu lugar longe daquilo que se faz em contexto adverso à criação individual. e quando o estado de espírito se eleva à condição de limite de vontade tudo se perde para além de tudo isto. gosto de cozinhar o que imagino. mas agora, em grande parte, no lugar mais reservado de todos. há nisto uma viagem inesperada. de desânimo ou de negação. ou de perceber o sempre se soube. tudo tem o seu lugar. a cozinha que faço e que gosto tem lugar em tempos que serão. que ainda não existem. porque este é o tempo do desaparecimento. da diluição. das certezas de todos menos das minhas. talvez seja isso que me faz fazer o que é preciso e pouco mais. o resto, o sonhado, o imaginado, o que se cria, fica reservado para esse tempo de futuro e aqueles que o provam já no recanto imenso do sabor familiar. cozinhar também é isto...

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