05/12/15

... improvável bolo belo ...


«...quantas vezes apostaste a tua vida?
apostei a minha vida mil vezes.
perdeste tudo?
sim, perdi sempre tudo.»
josé luis peixoto

... 600 gramas de açúcar batidas até triplicarem com 12 ovos e 6 gemas. mais 600 gramas de farinha peneirada e misturada à mão, levados em forma untada ao forno a 200º. o resto são doces feitos à vontade do sabor. de figo, de alperce, de morango. e a noz e romã para dar o toque de outono. depois é mesmo só uma questão estética. parece-me impossível. o que me parece mais impossível é a improbabilidade de me parecer simples. agora, parece, simples. sem segredos. sem quase nada que não consigo entender ou dominar. é tão estranho ter o saber nas mãos. da coisa e das coisas que mais temia. esta coisa de fazer coisas doces. e bolos. e tornar bom o belo e belo o bom. há na pastelaria uma coisa imensa. é sempre de celebração. ou de fecho de algo. usamos as coisas doces para nos vingarmos da vida. como se fosse possível dizer aos deuses que lhes negamos mais sofrimento. que lhe roubamos um instante de prazer. porque é mesmo disso que se trata. de prazer e conforto. reconforto. da alma e das forças. uma boa sobremesa pode salvar um mau repasto. um doce pode salvar um momento. e pode ter tudo isso que a cozinha ainda procura. encanto, espanto, deslumbre. ter aprendido a dominar essa alquimia ainda me parece mentira. estava longe. tinha medo. não sabia. foi com mestria que aprendi e aprendo. devo isso a quem me ensina. devo isso a ter tentado sempre. a romper a teia da incerteza. por fazer. fazer sempre mesmo quando falhava sempre. quanto tudo parecia errado. a técnica e a estética. também se aprendem. também se treinam. e no fim, fico ainda espantado quando consigo. um espanto que me faz sorrir. e isso poucas coisas conseguem já roubar-me do rosto cansado. esta é uma delas e ainda bem...

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