02/02/16

... da cozinha, assinatura ...


«... mas porque é em sentido absoluto e primeiro que ‘ente’ se afirma das substâncias, e secundária e como que relativamente, dos acidentes, segue-se que a essência, própria e verdadeiramente, se encontra nas substâncias, e apenas de certo modo e relativamente, nos acidentes. ora, umas substâncias são simples e outras compostas e numas e noutras há essência...»
são tomás de aquino

... já uma vez referi isso. nunca o tinha sentido. cada um de nós que cozinha transfere para a confecção dos alimentos uma espécie de assinatura. algo que fica, para além do sabor. começa mesmo por aí. ao ouvir falar há quem diga 'ingredientes' e há quem diga 'alimentos'. há quem fale em 'misturar' e há quem diga 'envolver'. e depois é mesmo a forma de fazer as coisas. de criar um prato. de o fazer, vezes sem conta, igual. na sua essência. naquilo que o define. e como sempre, provamos. vamos provando o sabor. até lá chegar. até chegar ao momento em que dizemos: está pronto. podemos, até, ao longo do processo ouvir opiniões de outros: falta sal, está bom, etc. mas a verdade é que é ao cozinheiro, àquele que cozinha, que dirige o gesto, que finaliza tudo, que pensa tudo que cabe o acto de assinar o sabor que define tudo. é quando, em consciência, dizemos para nós mesmos: fica assim. está bom assim. é este o momento. está feito. está assinado. porque no final mesmo ou no meio, um gesto, um tempero, uma volta ou reviravolta colocaram nos alimentos uma essência que não se define mas que nos transporta para lá. é constante isto. esta dádiva nossa para o sabor e o prazer prevalecerem sobre as outras coisas. na cozinha, ao cozinhar, sabemos que todos os dias, várias vezes ao dia, em cada momento confeccionado é assim. um pouco de nós fica ali. como se a nossa essência de cozinheiros fosse um imenso universo infinito ao qual vamos retirando pequenas partes de cada vez que estamos a servir para os outros. a cozinhar para os outros. no prato, nesse, vai essa estrela. esse brilho. esse pedacinho de nós. em forma de qualquer coisa indefinida que tudo muda. é simples. sendo a coisa mais composta e complexa do mundo. e ainda bem que assim é...

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